A contratação, que ocorreu à margem de processos licitatórios, é apenas a ponta do iceberg de um esquema complexo. A investigação da PF foi motivada por informações repassadas pela Corregedoria da PRF. Ainda de acordo com a reportagem, um ponto-chave do inquérito é uma viagem a Tel Aviv, em Israel, em fevereiro de 2018, bancada por um agente da PRF para o então diretor-geral da corporação, Renato Antônio Borges Dias, e sua esposa, Silvania Barros. A PRF alega que a viagem ocorreu durante o período de férias de Dias, mas não esclareceu os motivos da escolha de Israel como destino, onde fica a sede da Cognyte.
Curiosamente, apenas dois meses após a viagem, uma equipe oficial da PRF embarcou para Israel, com o objetivo de realizar um "intercâmbio de conhecimento nas áreas operacionais e de inteligência". Apesar de Renato Dias não ter participado desta segunda missão, as conexões entre a PRF e a empresa israelense começaram a se intensificar. Em meio a esse contexto, a superintendência da PRF no Rio de Janeiro contratou o software Webint, desenvolvido pela Cognyte, por R$ 5 milhões.
O Webint é um poderoso sistema capaz de realizar buscas em toda a internet, incluindo redes sociais e a deepweb, além de acessar grupos no WhatsApp e Telegram. A negociação foi intermediada por Caio Santos Cruz, filho do general da reserva Santos Cruz, ex-ministro de Bolsonaro. Em 2021, já no último ano do governo Bolsonaro, o contrato foi renovado, novamente por R$ 5 milhões, desta vez pela sede da PRF em Brasília, para atualizar o sistema para uma nova versão, o Orbis, que manteve as mesmas funcionalidades de espionagem.
Em nota, a PRF negou irregularidades na contratação e reforçou que as viagens de Renato Dias foram custeadas com recursos privados, já que ele estava de férias na época. A corporação ainda sustenta que as aquisições seguiram o "rito técnico padrão", conforme previsto na legislação, e que não houve contato direto com a Cognyte para a compra de softwares de espionagem como o First Mile, utilizado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
“O objetivo foi o aprimoramento e a modernização da PRF no trabalho desenvolvido nas áreas de fronteira. Não houve tratativa com a Cognyte ou qualquer outra empresa para contratação de softwares ou equipamentos para a PRF”.