Por Tiago Angelo e Danilo Vital
O ministro Alexandre de Moraes deixa o Tribunal Superior Eleitoral nesta segunda-feira (3/6) após quase dois anos como presidente da corte. Ele passa o bastão para Cármen Lúcia, que conduzirá a Justiça Eleitoral nas eleições deste ano.
Alexandre tomou posse em agosto de 2022, em uma cerimônia que, ao contrário de outras, não tinha nada de esvaziada ou protocolar: contou com a presença de 20 governadores, 40 representantes de embaixadas estrangeiras, ministros e ex-ministros do Supremo, ex-presidentes e políticos de diferentes campos ideológicos, na presença de um Jair Bolsonaro acuado.
A solenidade cheia dizia menos sobre a popularidade do ministro e mais sobre o momento que o país atravessava: o aumento da pressão de setores militares quanto ao processo eleitoral e as tentativas de colocar em dúvida a higidez das urnas acenderam um alerta, em especial no Judiciário, que se tornou o alvo preferencial de ataques.
O discurso de Alexandre deu o tom daquilo que talvez mais representou sua gestão: a Justiça pode até ser cega, mas não deve ser também tola em momentos de ameaça à democracia.
“A intervenção da Justiça Eleitoral será mínima, porém célere, firme e implacável no sentido de coibir práticas abusivas ou divulgações de notícias falsas ou fraudulentas. Principalmente aquelas escondidas no covarde anonimato das redes sociais, as famosas fake news”, disse na ocasião.
Legado
Embora a atuação de Alexandre tenha ajudado a refrear o aumento de notícias falsas contra candidatos e ao próprio processo eletrônico de votação, o ministro e o TSE acabaram alvo de críticas, às vezes de uma suposta censura, e em outras de “extrapolar limites”.
Com a estatura que ganhou nos últimos anos e pelo fato de ter se tornado uma pessoa sobre a qual ninguém no país deixa de ter opiniões — boas ou ruins —, as críticas eram esperadas, segundo o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal.
“É natural que em um momento de conflagração e conflituosidade uma pessoa no papel dele seja criticada. Isso aconteceu porque ele cumpriu um papel importantíssimo e enfrentou as fake news”, disse Gilmar à revista eletrônica Consultor Jurídico.
Para o decano do STF, no entanto, o fato a se destacar é outro. É o de que o ministro deixa “um legado importante” para as próximas eleições e que “toda essa sistemática para lidar com fake news fortaleceu a Justiça Eleitoral, que é extremamente importante.”
“Ele teve um papel singularíssimo. Foi o homem certo, no lugar certo, na hora certa. Em um um momento de grave crise e agressão às instituições ele soube impor limites e impedir que houvesse o comprometimento das eleições”, afirmou Gilmar.
Fake news
Uma das decisões mais relevantes do ministro quanto ao combate às fake news foi tomada 10 dias antes do segundo turno das eleições presidenciais de 2022. O tribunal, sob a batuta de Alexandre, aprovou uma resolução ampliando as possibilidades de combate às notícias falsas e dando mais agilidade para a retirada de conteúdos desinformativos.
O texto, aprovado por unanimidade, determinou que toda decisão de exclusão de conteúdo falso ou injurioso poderia ser estendida de ofício para “outras situações com equivalência de conteúdo”, sem a necessidade de uma nova representação judicial.
Ou seja, se uma primeira decisão determinou a remoção de um determinado vídeo ou montagem, não seria mais preciso aguardar uma nova provocação ao Judiciário para excluir um post idêntico, mas publicado por outra pessoa.
O tribunal também reduziu o prazo máximo para a remoção dos conteúdos pelas redes e provedores para duas horas. Antes, as redes tinham 24 horas para cumprir as determinações.
A preocupação sobre o tema seguiu até o final do mandato. No final de fevereiro, o ministro cobrou do Congresso a regulação das redes sociais.
Inteligência artificial e big techs
No mês seguinte, o tribunal avançou para limitar o uso da inteligência artificial nas campanhas, o que incluiu a proibição do deep fake — conteúdo que simula digitalmente a imagem ou a voz de outras pessoas.
Um dos dispositivos prevê a cassação do candidato que fizer uso irregular da tecnologia; proíbe “deep fake” nas propagandas.
Na mesma oportunidade, a corte cumpriu um desejo antigo do presidente Alexandre: impôs uma série de obrigações às empresas de tecnologia, para impedir ou diminuir a circulação das fake news eleitorais, com previsão de responsabilização civil e administrativa — algo que o Congresso Nacional poderia ter feito, mas não fez a tempo.
No entanto, um dos maiores méritos da gestão, segundo o próprio ministro, envolve a cota de gênero.
O TSE definiu que candidaturas femininas sem votos ou atos de campanha sempre indicam fraude à cota de gênero e afastou o requisito da má-fé como exigência para reconhecer o ilícito. Aos partidos, cabe fiscalizar e manter suas candidatas viáveis até o final.
“Cultura de impunidade”
Ao participar da última sessão no TSE, na quarta-feira passada (29/5), Alexandre falou de sua gestão e defendeu, como responsabilidade de todos os poderes, o combate às notícias falsas e a regulação das redes.
“Não é possível admitir que haja a continuidade do número massivo de desinformação, as notícias fraudulentas, as deep fakes e as notícias anabolizadas pela IA. Não é mais possível que toda a sociedade e todos os poderes aceitem essa continuidade sem regulamentação mínima. Eu sempre digo e sempre repito: o que não é possível na vida real, não pode ser possível no mundo virtual”, disse.
“Esse TSE dá o exemplo da necessidade de rompimento dessa cultura de impunidade nas redes sociais, seja com as decisões e regulamentações das eleições de 2022, seja agora, recentemente, com a aprovação das resoluções para 2024”, prosseguiu.
Alexandre também foi elogiado por seus pares. A ministra Cármen Lúcia, que assume a presidência do TSE, disse que os ataques contra a corte e contra as urnas eletrônicas durante as eleições de 2022 exigiam uma postura firme como a de Alexandre.
“Vossa Excelência dá demonstração permanente de compromisso com coisa pública, com o interesse público democrático. Esse é o diferencial. Principalmente nos momentos mais recentes em que corriam risco a democracia brasileira e o estado de direito. A atuação do TSE desempenhou papel fundamental para manter a democracia não apenas garantida, mas fortalecida”, disse a ministra.
André Mendonça, eleito para ocupar o cargo que ficará vago com a saída de Alexandre, também elogiou a gestão do colega.
“Meu registro da gestão exitosa de Vossa Excelência à frente do TSE, conduzindo o tribunal em tempos que, por vezes, houve turbulências, questionamentos”, afirmou, Mendonça, que também destacou a atuação “firme” e “competente” de Alexandre.
Na última sessão do ministro no TSE, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, disse que a atuação de Alexandre seguirá inspirando respostas a novos desafios na seara eleitoral.
“A essas inquietantes ameaças à livre formação de ideias e convicções, vossa excelência esteve atento e minuciosamente vigilante. Com apoio determinante dos integrantes dessa casa, foram postas em prática providências de cautela, prevenção e repressão com toda pujança e sobranceria admitida pelo direito e a tempo hábil para reprimir abuso de direito.”