Por maioria de votos, o Tribunal Superior Eleitoral aprovou, nesta quinta-feira (23/5), uma resolução em que dá a si próprio o poder de instaurar, de ofício, inquérito administrativo para elucidar fatos que possam representar risco à normalidade eleitoral no país.
A medida aprovada atualiza a Resolução 23.338/2011 e reorganiza os serviços da Corregedoria-Geral da Justiça Eleitoral.
O corregedor-geral Eleitoral agora pode instaurar no sistema eletrônico de informações (SEI) do tribunal, de ofício ou por provocação, procedimento administrativo para elucidar fatos que possam representar risco à normalidade eleitoral no país.
Nesse primeiro momento, há a possibilidade de solicitar esclarecimentos preliminares sem natureza de requisição. Se achar que será necessário abrir inquérito, ele deve encaminhar o pedido de conversão à presidência, a quem competirá a ordem.
A resolução prevê que esse procedimento conte com intimação da Procuradoria-Geral Eleitoral e que a presidência do TSE seja informada desde o princípio. Ainda exige que a abertura do inquérito seja levada a referendo imediato do Plenário.
A resolução foi apresentada pelo então corregedor-geral eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, em maio de 2023. Em setembro, o ministro Raul Araújo divergiu. Nesta quinta, a ministra Cármen Lúcia trouxe uma proposta intermediária que acabou aprovada.
Não seria a primeira vez - O TSE já abriu inquéritos de ofício antes, mas de maneira excepcional e sem qualquer previsão no Regimento Interno — no caso do Supremo Tribunal Federal, em que inquéritos de ofício ainda estão em andamento, foi o Regimento Interno que abriu a brecha para essa medida.
No TSE, isso aconteceu em 2021, depois que Jair Bolsonaro fez uma live em que prometeu apresentar provas sobre a insegurança do sistema eleitoral brasileiro, mas limitou-se a ilações desmentidas em tempo real pelo TSE.
O então corregedor-geral eleitoral Luis Felipe Salomão propôs o inquérito por meio de uma portaria, aprovada pelo Plenário do TSE para apurar fatos que possam configurar crimes eleitorais relativos aos ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das eleições em 2022.
Em outras oportunidades, as investigações foram iniciadas por caminhos diferentes. Em agosto de 2021, o STF incluiu Bolsonaro no inquérito das fake news a pedido da presidência do TSE, à época nas mãos de Luis Roberto Barroso, alvo preferencial do então presidente.
E quando Bolsonaro vazou uma investigação sigilosa referente ao ataque hacker sofrido pelo TSE durante uma de suas lives, coube à Polícia Federal iniciar as investigações, também à pedido da corte eleitoral.
Maior transparência - A diferença entre a proposta inicial de resolução para ampliar a atuação da corregedoria-geral eleitoral apresentada por Benedito Gonçalves e a aprovada nesta quinta está exatamente no poder conferir a quem exercer o cargo — atualmente, o ministro Raul Araújo.
A ideia inicial era que o próprio corregedor tivesse o poder de autuar e processar na classe “inquérito administrativo” do sistema eletrônico PJe essas investigações. Agora, a medida precisa passar pela presidência e ser referendada pelo Plenário.
“Com isso não temos a centralização única e com exclusividade nas mãos do corregedor, do conhecimento do que está se passando, no sentido de cumprir com os princípios da transparência e segurança jurídica”, disse Cármen Lúcia.
Ao acompanhá-la, o ministro Nunes Marques destacou que a tendência é que a instauração do inquérito de ofício seja replicada em todos os Tribunais Regionais Eleitorais brasileiros. “Isso exige uma certa supervisão, com o compartilhamento e a socialização dessas instaurações.”
Também formaram a maioria os ministros Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares e Alexandre de Moraes.
Fora das atribuições - Ficou vencido o ministro Raul Araújo, para quem a norma aprovada vai permitir ao corregedor atuação mais ampla e estranha aos limites das funções administrativas que lhe cabem, já que não há previsão legal para que a Corregedoria instaure tais investigações de ofício.
Primeiro porque o artigo 22 da Lei Complementar 64/1990 elege um amplo rol de atores que podem ajuizar ação para tratar de fatos que possam representar risco à normalidade eleitoral, como abuso de poder econômico e político ou uso indevido dos meios de comunicação.
A representação pode ser feita à Corregedoria por partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral. Não há previsão de atuação de ofício, em respeito ao princípio da inércia do Poder Judiciário.
Também não é possível creditar essa atuação ao poder de polícia que justificou diversos atos praticados pelo TSE durante a campanha eleitoral de 2022. A norma está no artigo 41 da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) e é destinada aos juízes responsáveis pela propaganda eleitoral.
Assim, a ampliação pretendida vai gerar “hipóteses frequentes de supressão de garantias inerentes ao devido processo legal e do sistema acusatório, com rompimento da inércia que assegura isenção do magistrado no processo judicial, maculando o próprio processo justo”, segundo o ministro.