Ao acusar o senador Flávio Bolsonaro em 2020 pelo esquema das rachadinhas, o Ministério Público do Rio de Janeiro listou algumas transações imobiliárias feitas por ele com dinheiro de origem suspeita – quase sempre os pagamentos eram feitos em espécie, cheques de terceiros ou por meio de boletos que nunca eram descontados da conta pessoal dele.
Uma dessas transações envolve a aquisição de um andar inteiro em um dos prédios comerciais mais cobiçados da Barra da Tijuca, na zona oeste carioca. O filho 01 do ex-presidente Jair Bolsonaro comprou, de uma só tacada, doze salas do edifício Barra Prime Offices ainda na fase de lançamento. O negócio foi feito em 2008.
Na denúncia, o MP apontou que, em cerca de um ano, o senador fez pagamentos relacionados à aquisição do imóvel que somaram R$ 297 mil. Nada, porém, saiu da conta dele. Foram R$ 86,5 mil em depósitos de dinheiro vivo, R$ 193,6 mil em boletos e R$ 16,8 mil em cheques. Ao todo, o negócio girou em torno de R$ 3 milhões.
Mais adiante, Flávio Bolsonaro vendeu as salas que havia adquirido ainda na planta por um valor bem maior. Para os promotores, foi uma operação destinada a esquentar recursos obtidos de maneira ilícita. Lavagem de dinheiro, cravaram eles na ocasião.
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O senador nunca deu maiores explicações sobre a compra das salas. À época da denúncia, ele se limitou a criticar o trabalho do Ministério Público, dizendo haver “vícios processuais, enganos e erros de cálculo” na peça de acusação, que depois acabaria arquivada – não por falta de evidências, mas porque as fartas provas foram anuladas por decisão do Superior Tribunal de Justiça, sob o argumento de que, em razão do foro privilegiado de Flávio Bolsonaro, a investigação não poderia ter corrido na primeira instância da Justiça do Rio.
Como a negociação das salas foi feita diretamente com os representantes da construtora, a aquisição milionária feita por Flávio Bolsonaro não constava de registros públicos. Quem fizesse uma pesquisa de cartório, por exemplo, jamais descobriria que era ele o dono das salas. Além disso, os pagamentos feitos em espécie e via boletos também contribuíam para que não houvesse rastros.
Ainda na fase inicial do negócio, porém, Flávio Bolsonaro deixou suas digitais bem expostas.
Flávio temia que o cheque, de R$ 200 mil e nominal ao empreendimento imobiliário, fosse descontado. Por isso, espertamente, não apôs sua assinatura normal no documento. No campo correspondente, aparece apenas o nome dele completo, em letra cursiva — se, eventualmente, alguém quisesse descontar os R$ 200 mil da conta, o banco provavelmente barraria a tentativa. Era, digamos, uma espécie de cheque fantasma.
O documento, assim como vários outros relacionados a transações suspeitas de Flávio que apontam para um azeitado esquema de lavagem de dinheiro, chegou a ser apreendido pelos investigadores durante uma das várias operações de busca realizadas ao longo da investigação das rachadinhas.