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Estudantes brasileiros de medicina na Argentina abandonam país após aumento nas faculdades

Na contramão, em 2024, o real se desvalorizou 19,2% e o dólar aumentou 23,7% no Brasil, tocando os 6 reais

Publicada em 02/12/24 às 06:11h - 19 visualizações

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Estudantes brasileiros de medicina na Argentina abandonam país após aumento nas faculdades
 (Foto: AFP – LUIS ROBAYO)

Aos 22 anos, Amanda Mello está no terceiro ano de medicina, ela trocou Cuiabá por Buenos Aires para seguir o sonho de ser médica, mas, na metade do caminho, vieram os aumentos do custo de vida na Argentina e, sobretudo, da mensalidade do ensino.

“Quando saí da minha cidade, eu tinha a intenção de vir para a Argentina para me formar. Atualmente, com a situação que está, a faculdade em particular e o custo de vida em geral, tive de refazer os planos porque aqui não está dando mais para continuar. Tive de conversar muito com a minha família e pensar em outras possibilidades para poder continuar com meu sonho que infelizmente foi interrompido”, lamenta Amanda num desabafo à RFI.

Amanda está de mudança para o Paraguai, onde vai continuar seus estudos de medicina. “O Paraguai conseguiu abrir as portas para mim do mesmo jeito que a Argentina abriu há dois anos, porém com um custo de vida menor e com uma faculdade muito boa”, compara.

Seis mil sob maior risco

Segundo um relatório do Ministério do Capital Humano da Argentina, com base nos números mais atualizados disponíveis de 2022, existem 20.255 estudantes brasileiros de medicina no país, dos quais 12.131 estão matriculados no sistema público de educação. Dos restantes 8.124, cerca de 6 mil estão na universidade Barceló, onde os brasileiros ocupam 75% das vagas, segundo o centro de estudantes da faculdade.

Numa das três sedes da universidade, a situada em Santo Tomé, na fronteira com a cidade gaúcha de São Borja, a Barceló já cobra 25% a mais se o estudante for de nacionalidade brasileira.

A situação chegou ao limite, e, com isso, milhares de estudantes que habitam em Buenos Aires decidiram protestar.

A inflação implica nos aumentos

O índice de preços ao consumidor desde janeiro deste ano é 106,98% e deve fechar o ano abaixo de 120%, mas os aumentos na Barceló quase triplicaram essa cifra (325%).

Para muitos, o sonho de ser médico ficou para trás. É o caso do baiano Ario Santos, de 42 anos, que decidiu voltar para Vitória da Conquista, sua cidade natal, depois de três anos de estudos na Argentina.

“O que eu vou fazer agora é trancar minha faculdade aqui, voltar para o Brasil, esperar um pouco mais para ver se melhora a condição cambial daqui e, se isso acontecer, eu volto para continuar a minha faculdade. Porque eu estou no terceiro ano, já é um pouco mais da metade, eu não posso perder o que eu já investi”, explica Ario Santos à RFI.

“Hoje, com R$ 8 mil, está difícil você conseguir pagar tudo. Então, eu creio que aumentou 300% ou até 350%. É uma coisa incrível. Ninguém pode pagar isso. Por isso, a maioria dos brasileiros está voltando”, acrescenta.

Contas que não fecham

Os brasileiros decidem vir para estudar na Argentina por três motivos principais:

1) no país não existe vestibular, basta se matricular;

2) o ensino é de qualidade;

3) o custo de vida era baixo até o ano passado.

Entretanto, este ano a moeda argentina foi a que mais se valorizou no mundo. E o custo de vida para os estudantes brasileiros mais do que triplicou em reais.

Apesar da inflação acumulada desde dezembro, quando o governo do presidente Javier Milei começou, ter atingido 160%, o valor do dólar financeiro (usado pelos brasileiros) é apenas 7% maior, quando comparado com o de dezembro de 2023.

Javier Milei coloca em marcha seu plano de reduzir o Estado na ArgentinaO presidente argentino Javier Milei: governo do ultradireitista introduziu diversas medidas econômicas no país. Foto: reprodução

Na contramão, em 2024, o real se desvalorizou 19,2% e o dólar aumentou 23,7% no Brasil, tocando os 6 reais.

Essa equação de peso argentino valorizado e de real desvalorizado atinge o poder aquisitivo dos brasileiros que recebem a ajuda da família no Brasil.

Há um ano, o curitibano Matheus Vieira, de 26 anos, pagava o equivalente a R$ 700 de mensalidade; hoje, paga R$ 1.900, quase o triplo. Com aluguel, transporte e alimentação, o custo de vida chega a R$ 5 mil e continua a subir todos os meses. Depois de dois anos na Argentina, Matheus admite que agora também está na dúvida sobre voltar ao Brasil ou recomeçar no Paraguai.

“Diante desse panorama, com os aumentos mensais da faculdade e com o aumento do custo de vida, infelizmente as opções são trancar a faculdade, voltar para o Brasil ou estudar a possibilidade de transferir para o Paraguai. Mas isso é muito triste porque isso é uma interrupção de um sonho, de um planejamento muito longo que envolve a minha família, que se programa e que se organiza para isso”, lamenta o estudante.

Interrupção e recomeço

A paulista Mikaela Bessa, de 20 anos, indica à RFI que “vai jogar no lixo os dois anos investidos” na universidade privada Barceló, mas não vai desistir do sonho. Como na Argentina, a universidade pública não reconhece o estudo da privada, Mikaela vai recomeçar do zero.

“O impacto desse aumento na minha vida é que eu terei de recomeçar. Vou ter de trancar, parar a faculdade no meu segundo ano. Ou seja: são dois anos que paguei a faculdade, que eu me esforcei, jogados no lixo. E vou recomeçar numa universidade pública aqui na Argentina para continuar o meu sonho e não ter de desistir e voltar para o Brasil”, resigna-se.

A também paulista Iasmin Riboski, de 21 anos, olha ao redor e vê como o sonho se tornou um pesadelo para os brasileiros e para as suas famílias no Brasil que arcam com os custos.

“Eu tenho a minha família no Brasil. Os meus avós, já aposentados, e os meus pais, que também estão dando todo o esforço possível. É muito complicado porque a gente vem com um sonho e volta com uma ilusão de que a vida é barata, de que a faculdade vai nos escutar, mas, infelizmente, esse sentimento de frustração não é somente meu, mas de todos os meus colegas e de todos os estudantes aqui”, aponta Iasmin sobre o caso de brasileiros nas universidades privadas argentinas.




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