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Grampo de Ramagem: advogados e juristas veem indícios graves contra Bolsonaro; Escândalo dentro do escândalo

Ex-presidente, ao supostamente usar órgãos do governo na tentativa de interferir em investigação contra Flávio Bolsonaro, pode ter incorrido em obstrução de Justiça, tráfico de influência e corrupção ativa, entre outros crimes

Publicada em 16/07/24 às 15:55h - 8 visualizações

Revista Fórum


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Grampo de Ramagem: advogados e juristas veem indícios graves contra Bolsonaro; Escândalo dentro do escândalo
 (Foto: Reprodução)

Advogados e juristas renomados ouvidos pela Fórum enxergam indícios graves contra Jair Bolsonaro no grampo feito pelo ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o atual deputado federal Alexandre Ramagem, de uma reunião palaciana em que o ex-presidente sugere usar sua influência e órgãos do governo para interferir em uma investigação contra seu filho Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e proteger o senador. 

Nesta segunda-feira (15), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirou o sigilo de uma gravação feita supostamente às escondidas por Ramagem de uma reunião com Bolsonaro em 25 de agosto de 2020. O áudio foi descoberto pelos investigadores no âmbito do inquérito que apura a 'Abin paralela', estrutura criada na Abin durante o governo Bolsonaro supostamente utilizada para espionar autoridades, desafetos políticos e até mesmo aliados do ex-presidente, com o intuito de protegê-lo (e proteger seus familiares) de eventuais reveses políticos e jurídicos. 

No encontro em questão, realizado fora da agenda oficial, estavam presentes, além do ex-chefe da Abin, o general Augusto Heleno (então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional – GSI) e as advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrenbach. 

As falas dos presentes nas reunião indicam que foram discutidos caminhos para utilizar órgãos do governo federal e a própria influência de Bolsonaro para anular as investigações realizadas pela Receita Federal sobre o caso de "rachadinha" que recaia sobre Flávio Bolsonaro. 

Em um ponto crítico da conversa, aos 48 minutos, após discutirem longamente como descobrir a identidade dos auditores da Receita Federal responsáveis pelos relatórios contra o senador Flávio Bolsonaro, e os métodos utilizados, o então presidente da República instrui diretamente a buscar Gustavo Canuto, chefe do Dataprev e ex-ministro do Desenvolvimento Regional no governo Bolsonaro. A sugestão seria para uma finalidade claramente ilegal – tráfico de influência.

"Escândalo dentro do escândalo" 

Em entrevista à Fórum, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, um dos mais conceituados criminalistas do país, avaliou que o país atravessa "um momento delicado" com uma "sucessão de escândalos" envolvendo o ex-presidente e que, inclusive, vêm retardando uma eventual denúncia do Ministério Público Federal (MPF) em resposta aos indiciamentos que Bolsonaro é alvo. 

Kakay relembra que, há pouco tempo, a PF indiciou Bolsonaro pelo caso da fraude nos cartões de vacinação e também no âmbito do caso das joias subtraídas do acervo da presidência. Agora, surgem mais indícios de crimes supostamente cometidos pelo ex-presidente no caso da 'Abin paralela', que pode estar conectado com os outros dois casos supracitados. 

"Antes que o Ministério Público pudesse tomar a providência normal, apresentar a denúncia, que é a peça formal a ser recebida pelo Judiciário, já estamos com outro escândalo dentro de um escândalo, ou seja, na investigação da 'Abin paralela' surge essa fita gravíssima, essa gravação extremamente séria, onde advogados tratam de uma forma de poder não só conseguir anular o processo, que faz parte do jogo, mas também a possibilidade que o próprio Presidente da República, e ele se oferecesse para isso, converse com autoridades que poderiam ser, pelo que diz o áudio, pressionadas a trabalhar em favor do filho do presidente. É de uma gravidade ímpar", pontua o advogado.

O criminalista relembra da fatídica reunião realizada em abril de 2020 na qual Bolsonaro diz, explicitamente, que trocaria o diretor da Polícia Federal e, se preciso fosse, até mesmo o ministro da Justiça para que nada atingisse seus familiares, considerando que este tipo de fala, se concretizada, pode configurar o crime de obstrução de Justiça, afirmando ainda que o ex-presidente e seu grupo, possivelmente, "realizavam crimes em série". 

Para Kakay, o MPF, diante dos graves indícios apresentados pela PF, deve agir mais rapidamente e oferecer denúncias contra Jair Bolsonaro nos casos em que o ex-presidente já foi indiciado – e não deixar para "depois das eleições municipais", como parte da imprensa vem aventando. 

"Já há uma discussão que me parece absurda, no sentido de que esses inquéritos que foram relatados devam esperar a sua análise para o Ministério Público só para após as eleições municipais. Isso é um absurdo, seria uma forma de politizar, de instrumentalizar o Ministério Público. Ora, se o Polícia Federal fez um trabalho sério, independente, técnico, e chega à conclusão da materialidade evidente e de indícios fortes de autoria, o Ministério Público tem que denunciar", opina o advogado. 

"Nós temos que parar de banalizar as condutas e, na realidade, fazer com que elas tenham objetividade e consequência. Não se pode ter um relatório da Polícia Federal que aponte crimes, que aponte autoria, que aponte claramente a materialidade e isso ficar em uma gaveta esperando, segundo diz parte da imprensa, que seja um momento político para apresentar a denúncia. A denúncia é a peça formal do Ministério Público que se recebida dá iniciação penal. Eu acho que o Brasil inteiro espera por isso e merece isso", prossegue.

Fortes indícios

O jurista Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), reagiu com cautela, em entrevista à Fórum, à divulgação do grampo feito pelo Ramagem da reunião com Bolsonaro. 

Segundo Serrano, somente a conversa registrada na gravação não configuraria crime. Ele aponta, contudo, que há "fortes indícios" de cometimentos de crimes no material.

"Existem indícios da prática de atos ilícitos que precisam ainda ser demonstrados integralmente com o andar das investigações, porque a mera conversa em si, a mera cogitação não é crime. Precisa verificar, ver se existem provas, se eles realmente passaram a utilizar, vamos dizer manipular a máquina pública em favor do Flávio [Bolsonaro]", analisa o jurista.

"Existem fortes indícios, são indícios impactantes, mas precisa continuar a atividade probatória para demonstrar que aquilo que foi falado foi efetivado. Ou pelo menos se houve a tentativa de efetivar de fato", emenda.

Legalidade do grampo 

Berlinque Cantelmo, advogado especialista em ciências criminais, também em entrevista à Fórum, chamou a atenção para a questão da validade do grampo feito por Ramagem como prova a ser utilizada nas investigações sobre a 'Abin paralela". 

"Afora toda imoralidade e gravidade que permeiam o conteúdo dos áudios, do ponto de vista legal, é necessário compreendermos se houve autorização para gravação dos diálogos não só por parte do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas também dos demais interlocutores. Importante frisar que gravações de diálogos somente podem ser utilizadas como provas caso as partes integrantes da conversa tenham previamente autorizado a gravação", pontua. 

Segundo Cantelmo, a jurisprudência brasileira admite a gravação clandestina de diálogos e sua utilização como prova apenas em casos específicos onde são fundamentais ao direito de defesa. Este tipo de material, entretanto, não pode ser utilizado pela acusação.

"Todavia, se essa gravação for parte integrante de acervo da Abin, cumprindo dever de obrigatoriedade em registrar todo o teor de reuniões da cúpula do Poder Executivo, Jair Bolsonaro poderá ter grandes problemas de ordem criminal, pois de uma análise superficial extrai-se das conversas possível cometimento dos crimes de tráfico de influência, corrupção ativa, associação criminosa, sem prejuízo do afloramento de outros", finaliza. 




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