Quando não é possível voltar para casa, a escolha de um novo lugar para chamar de lar tem como foco a distância da água e as oportunidades de trabalho. Esses são os principais fatores, conforme especialistas, que pesam entre as vítimas de tragédias ambientais como a do Rio Grande do Sul na seleção de um lugar para viver.
“Elas [as pessoas] estão migrando, muitas vezes, dentro do município para zonas protegidas ou mais altas, quando a gente está falando de enchentes”, explica a doutora em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Laura Madrid Sartoretto.
Diretor de comunicação do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), Miguel Pachioni explica que a integração das pessoas deslocadas com o local onde vão se inserir é determinante para essa decisão.
“Nesse sentido, oportunidade de geração de renda – empreendedorismo –, trabalho formal e direitos associados à integração – como a inclusão de crianças em escolas e acesso aos serviços de saúde pública – são fatores cruciais”, afirma Pachioni.
A empresária Thiane Berto, de 39 anos, é dona de uma loja de brinquedos educativos em Lajeado e pretende mudar para Guaporé. Os dois municípios ficam a aproximadamente 1h30 de viagem. “Eu perdi pouca mercadoria, consegui tirar uma parte, mas os móveis não terei como aproveitar.”
O principal critério para o novo endereço foi a segurança em relação ao curso d’água. Ela escolheu um lugar alto. “É uma cidade menor. Meu público é um pouco mais seletivo, pelo fato de serem brinquedos educativos”, preocupa-se.
As migrações no contexto de mudanças climáticas e degradação são vistas pela OIM como algo complexo. “A maioria das pessoas migra devido a uma combinação de fatores sociais, políticos, econômicos, ambientais e demográficos, todos os quais são e serão afetados por mudanças climáticas e ambientais.”
O sentimento de pertencimento é atingido com as destruições. No entanto, a mudança para um lugar que permita a proximidade a amigos e familiares ameniza a perda. “Essas redes de apoio podem ser fomentadas pelo poder público ou ser orgânicas, relacionadas aos contatos que essas pessoas possam ter em outras localidades.”
“Muitas vezes, quando migram de um bairro para outro dentro da mesma municipalidade, (as pessoas) podem manter seus trabalhos e sua vida e não vão ter problemas de integração que teriam em outros lugares”, completa Laura Madrid, que também é professora de Direito Internacional e Migratório da Escola da Magistratura Federal (Esmafe) e membro da Rede Acadêmica Latino-Americana sobre Direito e Integração das Pessoas Refugiadas (Laref).
Para onde
Pelo menos por enquanto, o governo do Rio Grande do Sul já programa a construção de cidades provisórias. Em entrevista ao programa Roda Viva, na segunda-feira (20/5), o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, afirmou que um satélite e um software inteligente contratados pelo Estado vão fornecer dados para a análise de áreas que não poderão mais ser habitadas.
A gestão federal também estuda saídas para a reconstrução. O Metrópoles apurou que a Casa Civil já tem ouvido especialistas regionais para entender as vulnerabilidades climáticas. “O governo federal planeja realizar estudos sobre quais intervenções podem ser realizadas para evitar futuras enchentes no Rio Grande do Sul”, respondeu a pasta, ao explicar que, neste momento, por se tratar de possibilidades, não há detalhes que possam ser divulgados.
Em entrevista ao Metrópoles, o climatologista brasileiro Carlos Nobre, que fez carreira no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), alertou que o país pode ter 3 milhões de pessoas com necessidade de remoção. São famílias que vivem em “áreas de altíssimo risco de inundações, deslizamentos e encostas”.
Falta
Embora os eventos climáticos extremos tenham se repetido no Brasil há alguns anos, em diferentes localidades, como Minas Gerais (2019), Petrópolis (2022), Recife e Zona da Mata (2022) e São Sebastião (2023), não há dados disponíveis sobre o número de pessoas que mudaram de endereço e para onde foram.
O coordenador do grupo de pesquisa Movimentos Sociais e Espaço Urbano (MSEU) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Cláudio Castilho, afirma ser importante fazer o mapeamento dos deslocamentos, com embasamento científico. “A ciência estuda a consequência desses eventos há décadas e pode, assim, por meio de uma equipe interdisciplinar, realizar o mapeamento preciso, a fim de constituir a base necessária para a elaboração e implementação das presentes e futuras ações públicas.”
Castilho destaca três passos importantes passos para esse processo, a serem desenvolvidos pelo poder público. Inicialmente prover renda para os atingidos, conceder-lhes apoio psicológico para o enfrentamento da situação e, depois, organizar novos espaços de ocupação. “Começar a elaborar os novos territórios para os quais as famílias atingidas pelos eventos deverão ser transferidas, o que deve acontecer com base na participação das famílias”, diz ele.