Um dos episódios da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023 que mais vem sendo revisitado às vésperas do primeiro aniversário da intentona é a proteção dada pelo comando do Exército ao acampamento golpista em frente ao seu quartel-general mesmo após os ataques ao Palácio do Planalto, ao Congresso e ao STF.
Tão importante quanto detalhar aquela situação insólita é questionar: quem a nossa força terrestre estava protegendo ao impedir que a Polícia Militar entrasse no acampamento e realizasse as prisões ainda na noite de 8 de janeiro, ou seja, logo após o crime cometido na Praça dos Três Poderes?
Os militares sabiam que seriam criticados duramente por causa disso, o que leva a crer que pessoas importantes precisavam ter tempo de sair de lá. Quem eram? Desde então, circula no governo Lula a desconfiança de que militares da ativa, militares da reserva de forças especiais, familiares de militares de alta patente e nomes próximos a políticos bolsonaristas poderiam estar muquiados.
Ao final, quem ficou foram os que não tinham contatos, os que confiavam na impunidade, os que estavam imersos em uma realidade paralela ou os que contavam com uma severa desvantagem cognitiva. Na manhã do dia 9, 1200 pessoas foram detidas.
O comandante do Exército na época, general Júlio César de Arruda, avisou ao interventor na Segurança Pública do Distrito Federal, o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Capelli, e ao ministro da Justiça Flávio Dino que ninguém seria preso naquela noite. Treze dias depois, Lula escolheria o legalista Tomás Ribeiro Paiva para substituir Arruda.
Imagens de fileiras de soldados e dois blindados que apontavam para os policiais militares, não para os golpistas, mostravam que o comando falava sério e chocaram muita gente que apostava que a ditadura militar havia terminado em 1985.
Quem era o responsável pelos blindados que protegiam os golpistas? O general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, exonerado do Comando Militar do Planalto. Ele disse que afirmou a Lula, naquela noite, que haveria risco de sangue no local se prisões fossem efetuadas no acampamento.
Por que? Os golpistas estavam armados? Se sim, por que o Exército deixou que uma turba armada se amontoasse em frente ao seu QG? Ou se tratava da morte de policiais pelas mãos de militares que protegeriam os golpistas a todo o custo? Para evitar um conflito com os militares diante dessa chantagem, acordou-se a remoção para a manhã seguinte. O que deu tempo de fuga.
Uma semana após a tentativa de golpe, ainda em janeiro do ano passado, o ex-comandante da PM, Fabio Augusto Vieira, exonerado do cargo após a intervenção federal no DF, botou a culpa no Exército pela não realização das prisões na noite do 8 de janeiro, em seu depoimento à Polícia Federal. Ele estava presente na tensa reunião entre o governo federal e o comando do Exército.
Ibaneis Rocha. (Foto: Reprodução)
O próprio governador Ibaneis Rocha, que chegou a ser afastado das funções pelo STF por conta da omissão diante do caos, apontavam que a PF já havia tentado desmobilizar o acampamento e o Exército não havia deixado. O ministro da Defesa, José Múcio, chegou a dizer a Lula antes dos ataques que um processo de desidratação pacífica estava surtindo efeito.
De fato, o número de golpistas reduziu no final do ano, mas o acampamento continuava lá, protegido pelos militares. Serviu de QG para o ataque à sede da PF e a queima de carros e ônibus no dia 12 de dezembro, dia da diplomação de Lula no TSE, e para planejar e organizar a colocação de uma bomba em um caminhão de combustível a fim de explodir o aeroporto na véspera de Natal e, finalmente, como cabeça de ponte para o dia 8.
Como explicar que a nossa força terrestre ajudou que golpistas fugissem da prisão? A quem a sua “mão amiga” e o seu “braço forte” estavam protegendo?