Entre uma série de tristes memórias que lamentavelmente a passagem do bolsonarismo deixará na alma do povo brasileiro, uma delas completa um ano justamente neste domingo, 24 de dezembro, Véspera de Natal. Trata-se da tentativa frustrada de um atentado à bomba no aeroporto Brasília, horas antes do mais cristão dos feriados, por terroristas autointitulados cristãos e conservadores. E que tinham como objetivo criar o caos na capital que justificasse a tão aclamada “intervenção militar” que manteria o hoje inelegível Jair Bolsonaro (PL) no poder apesar da derrota nas urnas.
Em nome do líder, os bovinos terroristas – um deles homônimo do primeiro presidente dos EUA, George Washington – estavam dispostos a transformar o Natal, data de paz, fraternidade e conciliação, em um mar de sangue na capital. E isso tudo depois do Brasil acompanhar um ataque de depredação no dia 12 quando Lula era diplomado, e uma série de episódios envolvendo os acampamentos na frente dos quarteis e ocupações de estradas.
E com um bolsonarismo em verdadeiro processo de insurreição embalado por teorias conspiratórias que desacreditavam o sistema eleitoral, dias depois da bomba em Brasília ainda vivenciaríamos, coletivamente, o 8 de janeiro.
São episódios que infelizmente não podem ser esquecidos. Marcas como essas na nossa memória coletiva precisam estar sempre vivas, para que não esqueçamos de que jamais podem ser repetidas. Andemos a rememorar.
A bomba em Brasília
“Foi encontrada uma bomba em um caminhão-tanque, na manhã deste sábado (24), nas imediações do Aeroporto Internacional de Brasília. O artefato mobilizou equipes da Polícia Militar do DF (PMDF) e da Polícia Civil (PCDF). O caso ocorreu um dia depois da suspeita de outra bomba encontrada na Asa Sul, em ocorrência atendida pela PMDF. A bomba foi encontrada em uma via pública, perto de uma concessionária de veículos. Uma das pistas teve que ser interditada por conta da operação. O artefato encontrado pela polícia tem um acionador envolvido por fios, que, quando ligado, pode causar explosão”, dizia matéria da Revista Fórum assinada por Julinho Bittencourt e publicada naquele 24 de dezembro, passados 18 minutos do meio dia.
Convenhamos, não é exatamente o tipo de matéria que um jornalista imagina que irá escrever em um plantão de Natal. Mas o bolsonarismo se trata exatamente dessa quebra tresloucada de tudo aquilo que é minimamente harmonioso em nome do pior tipo de obscurantismo. Como ilustração desse primeiro registro, uma singela foto do que sobrou artefato após desarmado.
Pedaço da bomba encontrado pela polícia. Reprodução/Redes Sociais
O empresário paraense George Washington de Oliveira Sousa, de 54 anos, foi preso pela Polícia Civil do Distrito Federal (PC-DF) naquela noite acusado de ter participado do plano. Naquele momento ele era suspeito de ter fabricado a bomba desativada pela Polícia Militar horas mais cedo. O artefato explosivo foi colocado em um caminhão-tanque nos arredores do aeroporto da capital federal e encontrado pelo próprio motorista do veículo, que então chamou a polícia. Mais tarde, ficaria comprovada a importância dos acampamentos no plano.
O objetivo atentado foi, nas palavras de George Washington, “para explodir o aeroporto e criar um clima de caos social que justificasse uma intervenção federal e uma ação do Exército mediada por Bolsonaro, que o mantivesse no poder”.
Apoiador radical do então presidente Jair Bolsonaro (PL), o homem tinha licença CAC (Caçador, Atirador e Colecionador), era militante armamentista por inspiração do próprio Bolsonaro e viajou do Pará, onde vivia, para participar de atos no acampamento localizado diante do Quartel General (QG) do Exército em Brasília. Ele portava sua licença CAC para justificar em uma eventual averiguação policial o porte de tantas armas. Diria que estava indo para uma competição de tiro.
No ato de sua prisão, foi localizado em um apartamento no setor Sudoeste do Plano Piloto, onde se hospedava de aluguel enquanto fazia militância na capital. Sua última postagem no Twitter, antes de ser preso, foi um vídeo do comentarista Rodrigo Constantino, à época na Jovem Pan, com ataques a Lula e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Com George Washington, no apartamento alugado em Brasília, a polícia encontrou um arsenal avaliado em R$ 160 mil, repleto de fuzis, pistolas e munições,
além de dinamites que um CAC não tem permissão para portar. Ele também
chegou a defender uma sublevação de CACs para impedir a posse de Lula.
Dias antes da tentativa de atentado, ele recebeu cerca de R$ 30 mil em
Pix provenientes de outros bolsonaristas e mais tarde um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) diria que a ação foi financiada.
George Washington. Créditos: Divulgação/PC-DF
Em
11 de maio, após meses respondendo a processo sobre o episódio,
finalmente foi condenado a 9 anos e 4 meses de prisão. Seu comparsa, Alan Diego Rodrigues,
também foi condenado, mas a 5 anos e 4 meses. Um terceiro homem
apontado pelas autoridades como cúmplice do plano é o jornalista Wellington Macedo, que já trabalhou no gabinete da ex-ministra Damares Alves. Ele foi preso no último dia 14 de setembro quando tentava fugir para o Paraguai e foi condenado a 6 anos de prisão.
Wellington Macedo ao lado de Jair Bolsonaro. Reprodução/Twitter
À Polícia Civil, George Washington contou como conseguiu o material para fabricar o artefato. "Eu disse aos manifestantes que tinha a dinamite, mas precisava da espoleta e do detonador para fabricar a bomba", relatou.
Na sexta (23 de dezembro), por volta das 11h30, um manifestante desconhecido que estava acampado no QG entregou a ele um controle remoto e quatro acionadores, possibilitando a fabricação artesanal do explosivo de forma que pudesse ser acionado a uma distância entre 50 e 60 metros. Existem suspeitas, sobretudo da fonte da Fórum lotada na Polícia Federal à época dos acontecimentos, de que esse “manifestante desconhecido” possa ter saído de dentro do Planalto. Mais especificamente do Gabinete de Segurança Institucional liderado pelo General Heleno.
Voltando
ao depoimento, Sousa disse que entregou a bomba a Alan, orientando que
fosse instalada em um poste para a interrupção do fornecimento de
eletricidade. De acordo com seu depoimento, o terrorista que fabricou a
bomba não teria concordado com a ideia de explodi-la no estacionamento
do aeroporto.
Preso no MT Alan Diego Santos. Créditos: Reprodução/Twitter@RicardoCapelli
Ele conversou com PMs na data dos primeiros ataques bolsonaristas à capital federal, em 12 de dezembro, e avaliou que os agentes da segurança pública estavam ao lado de Bolsonaro. Ele acreditava que em breve seria decretada uma "intervenção" das Forças Armadas. "Porém, ultrapassado quase um mês, nada aconteceu e então eu resolvi elaborar um plano com os manifestantes do QG do Exército para provocar a intervenção das Forças Armadas e a decretação de estado de sítio a fim impedir a instauração do comunismo no Brasil", disse o empresário.
“Ao contrário da mulher, um homem chamado Alan, que eu já tinha visto algumas vezes no acampamento, se mostrou mais disposto e se voluntariou para instalar a bomba nos postes de transmissão de energia que ficam próximos à subestação de Taguatinga, já que era mais fácil derrubar os postes do que explodir a subestação como foi pensado originalmente. Por volta 11h:30, um manifestante desconhecido que estava acampado no QG me entregou um controle remoto e 4 acionadores. Em posse dos dispositivos, eu fabriquei a bomba colocando uma banana de dinamite conectada a um acionador dentro de uma caixa de papelão que poderia ser disparada pelo controle remoto a 50 a 60 metros de distância”, relatou Washington.
Ele conclui dizendo que entregou a bomba para Alan a fim de que fosse instalada nos postes próximos à usina. George Washington afirmou que jamais concordou com a ideia de explodi-la no aeroporto. Mas a bomba ia para o aeroporto. E foi o próprio motorista do caminhão quem - por acaso - encontrou o artefato. Segundo a polícia, a bomba só não explodiu por uma falha técnica na operação do detonador. O trabalhador acionou a Polícia Militar que, por sua vez, mobilizou o esquadrão antibombas. O corpo de bombeiros também contribuiu com a ação de desarme.