O sociólogo, cientista político e presidente do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), Antonio Lavareda – entre os mais reconhecidos e experientes estudiosos do comportamento eleitoral no país -, afirma, em entrevista ao DCM, após analisar nova dupla de pesquisas – simultâneas e quase idênticas – sobre a avaliação e aprovação do governo Lula 3, Ano 1 -, que o presidente está, segundo ele, bem mais robusto eleitoralmente agora do que quando foi eleito. E prova, em números. Sobreviveu, apesar das turbulências sociais, guerras no exterior, tangos direitistas no vizinho, e negociações com um Congresso hostil, inclusive com o Judiciário, com agenda política própria – capitaneado por Arthur Lira (PL-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Lula foi eleito por uma margem mínima de votos – exatamente 50,90% contra 49,10% de Bolsonaro, mas esses são os votos válidos. Pelo recém-divulgado levantamento Ipec (ex-Ibope), 51% da população aprovam o governo Lula, contra uma desaprovação de 43%. Ou seja, atenta Lavareda, Lula saltou dos 39% – sua votação real, considerando o total do eleitorado, no segundo turno de 2022 – para 51%. “Lula terminou o ano mais forte do que o ano dele à época da eleição”, conclui Lavareda, folheando estatísticas.
Entre outros números jorrados pelos institutos, a administração Lula foi considerada ótima ou boa por 38% da população e 51% aprovam sua maneira de governar. No Datafolha, deu no mesmo. Outra pesquisa saindo do forno, o Radar Febraban/Ipespe, encomendado pela federação de bancos, mostra que a expectativa dos brasileiros para o ano que vem é mais favorável do que era ao final de 2022. Quase seis em cada dez entrevistados (59%) acreditam que o Brasil vai melhorar – o que, segundo Lavareda, pode ajudar a influenciar de forma benigna 2024, o ano Lula 2, versão três.
Nessa entrevista ao DCM, Lavareda percorre ladeiras estatísticas para chegar onde tudo desemboca: o cenário político em 2026, onde enxerga um Lula forte, e candidato à reeleição, contra uma direita fragmentada, com pré-candidatos vindos de palácios locais, sem uma terceira via reunindo votos e emoções. Lavareda diz, ainda, que a eleição de um ultradireitista, como Javier Milei, na Argentina, tem peso zero por aqui. “Acabou o espaço para candidatos com ideias extravagantes, que costumem dialogar com o espírito de seus cachorros ou de seus gatos”, ironiza Lavareda, para quem a América Latina vive, de tempos em tempos, na política, o “realismo fantástico” de Gabriel García Márquez.
As eleições de 2026 serão definidas, avisa logo aos navegantes, pelos mesmo fatores que definiram 2022, só que com os papéis trocados. Lula agora é governo. O presidente precisa ter uma narrativa eficiente – “é a comunicação, estúpido”, parafraseando, em outra área, o estrategista James Carville – para seguir no poder e contar que a economia deslanche e os programas sociais voltem a fazer a diferença. Mas, devagar, com o andor, que o santo – mesmo o padre Cícero Romão Batista – é de barro.
DCM – Como o o senhor analisou, com todos os seus critérios, os números de aprovação e de rejeição do primeiro ano do novo governo Lula. Entre qualidades e defeitos, como foi?
Lavareda- Ricardo, temos sempre que comparar o resultado da popularidade no exercício do mandato com o resultado que o candidato obteve nas urnas. Essa é a chave. Tem uma diferença entre as pesquisas: o Ipec coloca o tem aprovação – sim ou não -, algo que o Datafolha não pergunta. Usa só essa medida de “ótimo”, “bom”, “regular”, “ruim” e “péssimo”. Olha, fica difícil interpretar o “regular” colocado pelo Datafolha. O que vale é que o Ipec nos traz: uma aprovação de 51% e uma desaprovação de 43%. Esse é que é o número.
Nos Estados Unidos, na Europa, ninguém trabalha com “ótimo”, “bom” “regular”, “ruim”, “péssimo”, isso é planilha tupiniquim. A medida internacional com que se trabalha é aprovação versus desaprovação. Alguns institutos, antevendo críticas, acreditam resolver isso criando o “regular positivo” e o “regular negativo”. Meu Deus! Se você encontra um amigo no meio da rua, e pergunta como está a vida, ele não vai te responder “regular” – e se responder, você não vai retrucar se é “regular positivo ou negativo”. Isso é uma casmurrice do Datafolha.
DCM – E, afinal, esses 51% de aprovação e 43% de desaprovação, boa ou má notícia para o Lula?
Lavareda – Vou te dizer como se compara no resto do mundo, e você irá entender. O resultado da eleição do Lula foi 51% a 49% no segundo turno de 2022. Acontece que isso não reflete o voto, é um arredondamento, são só os votos válidos. Sobre o total do eleitorado, Lula teve 39% e Bolsonaro, 37%. Cerca de 24% votaram branco, nulo ou não votaram. Por isso esse 51% a 43%, de aprovação versus desaprovação, são sobre o total do eleitorado – significa que Lula saiu de 39% para 51%.
E a desaprovação, que é o grosso do voto bolsonarista, saiu de 37% para 43%. Então, a desaprovação, que é a atitude negativa, saiu de 37% para 43%, cresceu 6 pontos. E a aprovação saltou de 39% para 51%, cresceu 12 pontos, o dobro. Esse resultado é bom ou ruim pro Lula, me responda? Bom, óbvio que é bom. Então, Lula terminou o ano mais forte do que o desempenho dele à época da eleição. Essa é a leitura que a gente deve fazer.
DCM – Esse primeiro ano do terceiro governo foi considerado ótimo ou bom por 38% da população. Os que consideram regular são 30%, enquanto os que avaliam como ruim ou péssimo somam 30%. Esse regular também não deixa de ser uma aprovação, o sr. concorda?
Lavareda – Sim, também pode ser lido como aprovação. Regular não é desaprovação. Mas a aprovação mesmo, ao fim, são aqueles 51% – 12 pontos a mais que os 39% que votaram nele no segundo turno de 2022.
DCM – A gente conclui que o Lula está no caminho certo, professor?
Lavareda – Se ele está no caminho certo ou no caminho errado, não está na pesquisa, seria uma ilação minha – ou sua (risos). O que eu sei é que ele tem uma aprovação 12 pontos superior à votação que teve nas urnas. Você quer uma manchete, né?
DCM – Qual seria a manchete, professor?
Lavareda – Aprovação de Lula supera em 12 pontos a votação de Lula. É forte.
DCM- E o outro lado, professor: o que restou do Bolsonaro, do espólio político-eleitoral dele?
Lavareda – O que você pode concluir é que a diferença nas urnas entre Lula e Bolsonaro foi de 2 pontos. Mas se a eleição fosse hoje, e Bolsonaro tivesse como votos a reprovação a Lula, a diferença entre eles aumentaria para 8 pontos percentuais – seria quatro vezes maior do que foi no segundo turno de 2022.
DCM – O Lula jura que não vai se candidatar de novo. Está aberta a temporada de sucessores?
Lavareda – Imagina, em 2026, Lula será candidato à reeleição. Isso é lógico. Idade? Ele vai ser mais jovem que o (Joe) Biden (presidente dos EUA), candidato à reeleição (Lula tem hoje 78, Biden, 81).
DCM – Bolsonaro está inelegível. Já tem um herdeiro?
Lavareda – A única certeza que nós temos hoje é que Lula é candidato e Bolsonaro não pode ser candidato. Na inelegibilidade de Bolsonaro, a direita vai provavelmente se fragmentar. Provavelmente com duas ou três candidaturas.
DCM – Quem?
Lavareda – Eu hoje vejo três possíveis candidatos: Ronaldo Caiado (governador de Goiás pelo UB), (Romeu) Zema (governador de Minas pelo Novo) e (Carlos Massa) Ratinho Junior (governador do Paraná pelo PSD).
DCM – E o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que posa como novo líder da direita?
Lavareda – Ele é candidato à reeleição em São Paulo. Só isso.
DCM – A mosca azul não vai picar o Tarcísio até lá?
Lavareda – A mosca azul do Palácio dos Bandeirantes é mais forte que a mosca azul do Planalto.
DCM – E a sempre decantada candidatura de centro, a tal terceira via, é uma lenda? Teremos, novamente uma eleição polarizada, entre direita e esquerda, ou reaparecerão candidaturas-teste como Luciano Huck, Sergio Moro, Simone Tebet, Eduardo Leite, até o desaparecido João Doria (PSDB)? E o Ciro Gomes?
Lavareda- A preço de hoje, você vai ter uma candidatura de esquerda, que é a do presidente Lula, e uma candidatura fragmentada de direita – e isso dificulta bastante a emergência de um novo candidato de centro. Mas uma dessas candidaturas à direita pode tentar assumir o espaço mais ao centro. Uma candidatura de direita com roupagem de centro-direita. Mais provável que um centro puro, um centro-centro.
DCM – O que vai definir as eleições de 2026?
Lavareda – Vai ser, como sempre, a economia. Mas, sendo o Brasil, tem mais. O Brasil tem duas questões centrais: a necessidade do crescimento econômico e o atendimento às questões sociais. Ricardo, nós somos um país pobre, e, naturalmente, uma população de eleitores pobres tem muitas demandas. O Brasil precisa crescer, para distribuir renda por sua população, e ter, ao mesmo tempo, políticas sociais emergenciais, pra aquela parte da população que tem renda baixa ou nenhuma. O Brasil precisa entregar para a população serviços de saúde de melhor qualidade, um padrão de educação pública de melhor qualidade, um transporte digno, tudo. O binômio que vai resolver as eleições de 2026 é esse: economia e políticas sociais.
DCM – Para fechar, e a Argentina, alguma onda conservadora, teremos efeito Milei?
Lavareda – Não tem nenhum espaço pra Milei. Acabou o espaço para candidatos com ideias extravagantes, ou candidatos que costumam dialogar com o espírito de seus cachorros ou de seus gatos.
DCM – Já tivemos nossa cota de Milei, a rigor.
Lavareda – De certa forma, tivemos aqui, né. A América Latina é um continente onde vicejou o “realismo mágico” de García Márquez. Então, tivemos um quase (Javier) Milei aqui. E agora é a vez da Argentina. A América Latina tem a capacidade de produzir esses seres sobrenaturais. Nunca devemos nos surpreender se eles surgirem.