Foram quatro anos de pesadelos. De desespero. No auge da ditadura era muito menino, mas lembro do medo nos olhos do meu pai. Nos anos entre 2018 e 2022 a sensação era outra. Um sujeito grosseiro, violento, machista, misógino, racista e totalmente despreparado havia sido eleito. Os generais do golpe não. Tomaram o poder à força. Este pequeno detalhe – se é que se pode chamar assim – nos tirava completamente a dignidade. Uma parte grande do povo brasileiro, incluindo aí parentes, ex-amigos e vizinhos haviam escolhido para ser seu presidente aquele monstro que enaltecia torturadores.
A partir de então, o país caiu nas trevas. Havia, ao menos, uma qualidade naquele ser desprezível que não podia ser negada. Ele não havia mentido. Tudo o que prometera, parecia mesmo querer cumprir. Seu gesto característico da arminha começava a fazer todo o sentido. Seu signo era mesmo o da morte. Os que ele e sua polícia não pudessem matar, ele e seu governo deixariam morrer.
E foi assim, como todos bem lembram, durante toda a pandemia do coronavírus, estranha e terrível coincidência que veio bem a calhar para um governo de morte. Perdemos milhões de amigos, vizinhos e parentes. Muitos dos que não morreram em decorrência da covid-19, sucumbiram à destruição, ao desmonte de vários programas de proteção social. Foram quatro anos de pavor, angústia e miséria, pra dizer o mínimo.
Nunca mais aquele sujeito poderia ou deveria ser eleito. Não?
O diaChegamos aos dia 30 de outubro de 2022 após um primeiro turno acirrado. O sujeito estava lá novamente, em condições de disputa. Em algumas regiões do país, a bandeira nacional, transformada em símbolo do nacionalismo de extrema-direita, era desfraldado em inúmeras janelas. A cadela permanecia no cio, continuava à solta.
No começo da noite, a contagem dos votos era estreita, palmo a palmo, com uma leve vantagem para o dito cujo. Já mais para o final, à medida em que chegavam as urnas dos rincões e das regiões mais pobres, uma virada emocionada dava o recado de uma nação dividida. Por uma margem estreita, quase tênue, aquele ser abjeto perdia seu cargo e, pouco antes de cair no ostracismo, no lixo da história, ainda tentaria dar uma ou outra rasteira na democracia, mas isso é assunto para outra vez.
Assim que foi proclamado o resultado, eu e minhas filhas entre berros e choros convulsivos comemorávamos na janela, diante de uma vizinhança indignada que nos xingava mais uma vez. Assim como a noite do segundo turno de quatro anos antes, aquela também nunca mais será esquecida. Eu estava em casa naquele 30 de outubro, de mãos dadas com uma maioria tênue de brasileiros. Todos nós sabíamos muito bem que os próximos dias não seriam fáceis, como não têm sido. Mas estávamos juntos.
Eu lembro bem onde estava naquele 30 de outubro, que é o mesmo lugar onde estou agora, sorrindo para o futuro.
E você, caro leitor, lembra onde estava? E sabe onde está agora?