O ministro da Educação,
Camilo Santana, tem como meta nos próximos quatro anos reestruturar o
ministério e melhorar a qualidade do ensino no país. Para isso, a
estratégia do engenheiro e ex-governador do Ceará é baseada em um tripé:
a alfabetização, a escola em tempo integral e a conectividade.
Nesses eixos, uma série de ações estão sendo desenhadas como melhorar a qualificação dos professores, regular os cursos superiores no formato EAD (Ensino à Distância), aumentar a alfabetização de crianças até o 2º ano do Fundamental, oferecer internet em todas escolas públicas do país, entre outras.
Um dos pontos fundamentais nesse processo é a formação de professores. “A licenciatura não pode ser 100% a distância. Tem que ter uma parte presencial”, afirma o ministro, em entrevista concedida ao Correio em seu gabinete, no 9º andar do Bloco L, na Esplanada dos Ministérios. Segundo servidores da pasta, a sala está bem mais clara do que antes, pois uma película escura que cobria as janelas foi retirada. A luz voltou ao MEC.
Camilo Santana está entre os ministros mais bem avaliados do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Evita falar sobre as próximas eleições gerais. Garante que seu objetivo é deixar uma marca como chefe da pasta que ele considera “a mais importante do país”. A seguir os principais trechos da entrevista do ministro ao Correio.
Como foi o seu encontro com o presidente Lula, no início da semana?
Foi
a primeira vez que tive a oportunidade de despachar com ele após a
cirurgia presencialmente. Atualizei-o com alguns números em relação a
alguns programas importantes que já lançamos — inclusive, escola de
tempo integral, que fechamos no dia 15, os números da pactuação dos
estados e municípios. Estamos muito otimistas, porque 100% dos estados
participaram e mais de 95% dos municípios brasileiros pactuaram. A nossa
meta era chegar a 1 milhão de novas matrículas pactuadas neste ano e já
estamos próximos disso. Mas o objetivo maior da reunião foi apresentar a
proposta do programa — ainda não temos o nome definido —, de apoio
estudantil para os alunos do ensino médio brasileiro. Isso depende muito
das questões orçamentárias. Então, por isso que estava presente o chefe
da Casa Civil, o ministro da Fazenda. Ficamos com algumas tarefas a
fazer, mas a gente quer imediatamente, ainda este ano, assim que retomar
as atividades, poder lançar esse programa ou mandar o projeto de lei
para o Congresso.
O
senhor completou um pouco mais de nove meses à frente do ministério. E a
opinião pública sabe que a Educação foi uma das áreas extremamente
penalizadas, não apenas pelo governo anterior, mas por outros fatores,
como, por exemplo, a pandemia. Como o senhor encontrou a Educação, o que
foi possível fazer até aqui e o que ainda falta fazer em termos de
urgência?
Eu nunca gosto muito de falar do passado. Mas não
posso negar que fiquei impressionado com o nível de desmonte que fizeram
do ministério nos últimos anos, em todos os aspectos: informação,
equipes, projetos, programas, diálogo… O papel do ministério é de
coordenar a política nacional. Vamos falar da educação básica, por
exemplo. Quem executa a educação básica não é o ministério. São os
estados e municípios. O papel do MEC é coordenar a política, integrar os
entes federados. E tudo isso só se constrói com diálogo, com
cooperação. Eu digo isso porque, pela minha experiência como
ex-governador, não houve o menor diálogo (no governo anterior). Ao
contrário. Eu tive, muitas vezes, que entrar na Justiça para receber os
recursos que o MEC devia ao estado do Ceará. E olha que o Ceará é um
estado de referência da Educação, imagine os outros.
Por que essa falta de diálogo foi tão grave?
O
aspecto federativo precisa prevalecer em um país onde se respeita a
democracia. É a relação institucional entre os entes, independentemente
da linha política, ideológica a que pertençam. O que está em jogo,
repito, é a qualidade da educação na ponta, das crianças, dos jovens.
Então, o que nós procuramos fazer, nesses quase 10 meses, foi
restabelecer essa relação de diálogo com os entes federados, com os
entes que representam professores, entidades de classe, prefeitos,
governadores.
O que foi feito, na prática?
Restabelecemos
o Fórum Nacional da Educação como mecanismo de debate na sociedade.
Retomamos algumas políticas importantes, e programas importantes. A
alimentação escolar, por exemplo, não tinha reajuste há seis anos. O
Conselhão, agora Conselho de Desenvolvimento Econômico Social
Sustentável, nem se reunia mais. Tentamos restabelecer uma série de
questões orçamentárias das universidades, dos institutos federais e das
obras inacabadas. Enfim, estamos organizando um pouco.
E para os próximos meses?
Acredito
muito que qualquer gestão precisa ter planejamento. Estamos concluindo,
agora, o nosso planejamento estratégico para 2024 até 2027, o que nós
queremos, quais são as nossas metas até o final de 2026. Precisamos ter
isso muito claro, porque os resultados da educação não são imediatos.
Ela é um processo. Então, ninguém faz gestão na educação de forma
imediata É com planejamento, com foco, com trabalho. E, a partir do
momento em que a gente organiza um pouco esses programas e a estrutura
do próprio MEC — do ponto de vista pessoal, ele tem uma estrutura que
falta profissionais da carreira e falta concurso público para contratar
pessoal. Então, abrimos concurso público, estamos reestruturando. Aqui,
teve área que, quando saíram os cargos comissionados, só faltava fechar a
porta.
Iniciamos
o diálogo com a construção do que eu considero no programa mais
importante, que é o da alfabetização das crianças: alfabetizar as
crianças na idade certa, porque todas as evidências mostram que se uma
criança não aprende a ler e escrever, isso compromete todo o ciclo
escolar dela. Vai aumentando a evasão; vai aumentando a distorção
idade-série; vai aumentando o abandono; vai aumentando a reprovação. Os
estudos já mostraram que é preciso olhar para aquela criança naquele
momento.
A origem de tudo. É na primeira infância, tanto que o Conselhão criou um grupo de trabalho para construir um programa robusto na área da primeira infância. É quando o cérebro da criança está se formando, quando ela precisa ter estímulo, precisa se alimentar bem. Por isso que o Bolsa Família implementou os R$ 150 para crianças com até 5 anos e 11 meses. Quando era governador do Ceará, eu implantei esse programa lá, que já dava um dos eixos do Programa da Primeira Infância. Ele entra no ensino fundamental, naqueles anos iniciais, que são fundamentais. É claro que não é um programa que venha de cima para baixo. Ele precisa ser construído com os municípios, estados. Até porque, repito, são eles que executam.
Já se pode falar em resultados?
Vários
estados já tomaram iniciativas em implementar programas de
alfabetização. E esse foi um dos motivos que nos trouxeram aqui para o
MEC, pelo resultado do Ceará, pelas políticas que foram implementadas. A
nossa meta é transformar essa experiência em uma política nacional para
todos os 26 estados e o DF. Fizemos uma pesquisa pelo Inep, com 250
alfabetizadores, para definir o que é uma criança alfabetizada ao final
do segundo ano do ensino fundamental. É para ter um parâmetro de
partida, porque não tínhamos.
O que será feito com esses dados?
Vamos
definir qual é o indicador do Sistema de Avaliação da Educação Básica
(Saeb) que vai dizer se a criança está alfabetizada ao final do segundo
ano. E, a partir daí, vamos medir anualmente, nos municípios e nos
estados, para estabelecer os nossos resultados. A questão de material
pedagógico, formação, apoio financeiro, governança. Vamos fazer a
avaliação de fluência também, porque o Saeb, nós não podemos esperar a
cada dois anos fazer uma avaliação. As avaliações precisam ser mais
periódicas.
Em que estágio está esse programa?
Esse
programa está implementado em 100% dos estados e quase 99% dos
municípios já aderiram. Todos os coordenadores estaduais já foram
escolhidos. São dois por estado. Estao sendo definidos agora todos os
coordenadores regionais e municipais, porque quem define isso é o
município. Há todo um processo que passa por capacitação e formação.
Esse processo tem um comitê gestor e um comitê nacional, com o ministro e
com os secretários estaduais, e, depois, teremos os comitês estaduais,
com os governadores.
Como está sendo pensada a alfabetização para as populações ribeirinhas, originárias e comunidades que são mais afastadas?
Todas
essas questões de inclusão estão sendo levadas em consideração pela
coordenação do programa aqui no MEC. Vamos tratar desigualmente os
desiguais, vamos dizer assim. Determinada escola vai receber mais
recursos do que outras para melhorar determinada estrutura, porque um
dos eixos do programa de alfabetização é garantir uma melhor
infraestrutura na escola. Como posso exigir uma alfabetização de uma
criança? Tem escola que não tem energia, tem escola que não tem
banheiro.
Tem escola que não tem internet.
É
um tripé: o primeiro é alfabetização, o segundo tempo integral e o
terceiro é a conectividade. E isso tudo envolve formação de professores,
porque esse eixo, para mim, é um dos mais importantes. Se a gente for
olhar o último Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), da
formação inicial de professores licenciatura, todas as notas foram
abaixo de 5, numa escala de 0 a 10. Em Pedagogia, por exemplo, 3,6. E
86% dos cursos de Pedagogia são EAD. E é esse professor que está indo
para a sala de aula. Precisamos corrigir isso, não só a formação
inicial, que é nas universidades, mas a formação continuada que o MEC
precisa.
O que pretende o governo com a escola em tempo integral?
O
compromisso do presidente Lula é compreender que a escola tempo
integral tem melhores resultados, dá mais oportunidade para a criança e
para o jovem, porque uma das nossas metas aqui é reduzir os índices de
abandono e evasão escolar. Os alunos precisam sentir vontade de ir para
escola. Precisam se sentir bem na escola, de uma escola acolhedora,
criativa, que receba bem, uma escola que eles possam fazer um curso de
informática… Por isso que a escola de tempo integral, além de acolher a
criança, dar alimentação, também permite fazer uma prática esportiva e
cultural, um reforço escolar, uma área de ciência e tecnologia… E a
comunidade acadêmica é que define qual vai ser o perfil daquela escola.
Para nós, esse segundo eixo tem um aspecto social. Para mim, é uma das
maiores políticas de segurança, de prevenção à violência que um país
pode ter é implantar a escola em tempo integral. A meninada fica o dia
na escola, faz a refeição.
E para o ensino médio?
No
ensino médio, nós estamos estimulando que essas matrículas em tempo
integral sejam técnicas profissionalizantes. Nós fizemos a pesquisa da
questão do Novo Ensino Médio, e 80% dos meninos e meninas que
responderam querem educação técnico profissionalizante. Por mim, o
grande ensino médio brasileiro era fazer o ensino técnico
profissionalizante e agora, com essa nova política nacional de educação
profissional, que foi aprovada agora no Congresso e que temos dois anos
para implementar, as disciplinas do ensino técnico vão poder ser
aproveitadas na graduação. É um estímulo para esse jovem sair do ensino
médio com uma formação. O primeiro ano do ensino médio é o momento com o
maior nível de abandono. Então, por isso que a poupança, e a bolsa,
também serão uma forma de estimular. Você tem que ter vários mecanismos
para estimular.
Que tipo de estímulo?
Você
tem que ter uma boa escola, uma boa estrutura, uma escola de tempo
integral… Se você comparar o número de evasão, abandono e reprovação na
escola de tempo integral com a escola regular, é impressionante. É quase
nenhuma evasão, nenhum abandono na escola, resultados melhores no Ideb.
Por isso, o foco é também para cumprir a meta do PNE, que prevê que até
o final de 2024, o Brasil tenha 25% das matrículas da educação básica
em tempo integral. Para alcançarmos essa meta, precisamos de 3,6 milhões
de matrículas a mais. Por isso, a meta de 1 milhão de matrículas neste
ano, mais 1 milhão no ano que vem, para alcançar a meta que era de 2014
para ser concluída em 2024, e vamos tentar fazer isso até 2026.
Falamos de alfabetização, falamos de tempo integral. E a terceira ponta do tripé?
E
o terceiro eixo é a conectividade. Não é simplesmente levar uma
internet para a escola, mas com fins pedagógicos. É usar a ferramenta
tecnológica para aperfeiçoar a aprendizagem desse jovem e dessa criança,
dentro de uma lógica da formação do professor, e dentro de uma lógica
que considero fundamental, que se chama cidadania digital. É uma forma
de aproveitar a tecnologia para aperfeiçoar a aprendizagem da criança e
do jovem, melhorar a formação do professor e melhorar a gestão escolar.
Queremos todas as escolas públicas conectadas até o final de 2026.
De quanto será o investimento?
Na
primeira etapa, são R$ 12 bilhões. Mas, na realidade, no PAC da
Educação, serão R$ 36,5 bilhões. Nessa primeira etapa, lançamos 50% das
obras da educação básica. E o presidente vai lançar os investimentos na
educação superior, nos institutos federais e universidades. E a segunda
etapa será depois que os novos prefeitos forem eleitos.
Os institutos federais também receberão investimento?
Sem
dúvida. Hoje, existe um compromisso de que 50% dos alunos dos
institutos federais sejam em nível técnico, e a outra parte, sejam
tecnológicos ou licenciaturas em nível superior. Nós estamos querendo,
agora, que, pelo menos, 80% sejam nível técnico. Nós vamos apresentar
uma meta de expansão dos campis de institutos federais. Nossa meta é
fazer uma boa expansão, porque isso, além de aumentar a matrícula de
ensino técnico profissionalizante, aproxima mais os centros da população
dos municípios. Vamos pegar os vazios geográficos do país. Estamos já
com esse mapa. E vamos, logo, lançar o edital, da mesma forma das obras
de educação básica, para ampliar os institutos federais até o fim de
2026. Então, essa é a nossa meta.
A situação fiscal do governo
federal, dos estados e dos município é grave. Diante desse cenário, como
alcançar essas metas na educação?
Eu sou otimista. Estou
muito confiante que o Brasil melhore seu crescimento, principalmente a
partir de 2024, pelas condições que estão sendo estabelecidas. Claro que
tem um efeito muito forte internacional hoje, a guerra da Ucrânia,
agora esses episódios com Israel, e a economia está sendo afetada no
mundo inteiro. O movimento da taxa de juros nos Estados Unidos também
tem um efeito mundial. Mas, já há uma perspectiva neste ano, de um
crescimento acima do que estava sendo esperado, os próprios relatórios
estão apresentando isso. Então, nós estamos num otimismo de que o Brasil
possa dar um crescimento econômico e, com isso, gerar condições de
investimento maiores.
Sobre as bolsas permanentes: qual será o valor para 2024 e quantas serão distribuídas?
Nós
apresentamos para o presidente vários cenários. Para cada cenário, tem
um valor diferente. A ideia é pagar um valor mensal e, ao final de cada
ano, uma poupança, se for aprovado. E, no terceiro ano, ele vai poder
resgatar tudo e vai poder ter um recurso para iniciar alguma atividade
que ele queira de trabalho, pagar uma faculdade. É uma forma de você ter
o seu dinheirinho, ter seu cartão, sua conta no banco, saber o seu
rendimento da poupança, enfim.
Quais os princípios que o senhor
aprendeu ou guardou da experiência como governador do Ceará que está
trazendo para o nível federal?
O primeiro, o regime de
colaboração. Se não houver a participação dos estados e municípios, você
não consegue avançar. Ou seja, a liderança do governador, a liderança
do prefeito, a liderança do secretário é fundamental. Eu sempre digo que
toda política, toda ação é uma decisão política. Então, houve a decisão
lá atrás, uma política do Ceará, de que vamos fazer da educação uma
prioridade e uma política de Estado e não de governo, para não ter
descontinuidade, independentemente do governo. Talvez o resultado do
Ceará aconteceu porque não houve nenhuma descontinuidade ao longo do
tempo.
Há outros pontos importantes?
Sim.
O empoderamento das pessoas. Ou seja, o meu reconhecimento dos
resultados, o professor ser reconhecido, a escola ser reconhecida, o
município ser reconhecido. As escolas são premiadas por isso. Quando o
Ceará decidiu que a divisão do ICMS teria parte de um indicador de
resultado da educação, que virou, inclusive, uma política nacional,
porque hoje é lei nacional, ela tem vários estímulos. O prefeito sabe
que se o seu município tem um resultado (na educação), ele vai receber
mais dinheiro. Então isso mexe também. Mas o mais importante é o
empoderamento e a autoestima das pessoas.
Qual o efeito disso?
É
impressionante que as pessoas sentem orgulho quando seu município tem
uma escola nota 10, que melhorou ao saber que chegou a ter o melhor Ideb
do Brasil sendo uma escola no Ceará. Isso é algo que mexe com a
autoestima das pessoas e isso vai envolvendo dificilmente. Hoje,
independentemente da mudança de gestor, essa política terá
descontinuidade, porque as pessoas não vão deixar de ver. E é por isso
que eu tenho conversado com os governadores, articulado, fazendo
reunião. E é interessante: quando eu vou conversar e falo que, lá no
Ceará, teve resultado, eles sabem que eu fui governador, é algo mais
factível para você ter um diálogo e mostrar que esse é o caminho. Claro
que respeitando cada estado, as especificidades de cada município, em
cada região. A região Norte é diferente da região Nordeste. Então, você
tem que respeitar isso. Eles é que têm que ser os protagonistas, não o
MEC.
O senhor tem sentido receptividade dos prefeitos e dos governadores nessas conversas?
Estão
todos empolgados. Eu fiquei impressionado que a adesão a esse programa
(de alfabetização), foi quase 100%. Quase 99% dos municípios aderiram e
100% dos estados. Ou seja, isso mostra a vontade e o esforço. Mas eu não
quero que o MEC seja o protagonista disso. Quem tem que ser o
protagonista é o município, o estado. O papel do MEC é apenas coordenar
esse processo, é a governança disso, é apoiar. Ele tem que acontecer lá
na ponta.
O senhor disse que o Piauí segue a linha que o Ceará seguiu. Há outros estados?
Cada
um tem algumas especificidades. Pernambuco, por exemplo, apostou muito
na escola em tempo integral no ensino médio. Hoje, é o estado com maior
número de matrículas e está entre os primeiros do Ideb. O Espírito Santo
também apostou muito também no ensino médio e está apostando muito,
agora, também no ensino fundamental. A responsabilidade no estado é no
ensino médio, o ensino fundamental, na grande maioria, é do município.
Mas se esse menino no município não faz um bom ensino fundamental, ele
chega ruim no ensino médio. Então, qual foi o grande segredo lá quando
se iniciou isso? Nós vamos fazer um pacto com os municípios. Por isso, o
regime de colaboração é importante. Vamos fazer um pacto com os
municípios. Vamos apoiar material pedagógico, didático, com formação,
com premiação, para que esse menino possa ter um resultado melhorado,
porque ele já vai chegar bem melhor no ensino médio depois de nove anos.
Esse é o segredo então?
Esse
foi o segredo. E, hoje, o Ceará está entre os primeiros indicadores do
ensino médio do Brasil. E isso foi fruto de que esse mínimo já está
chegando melhor que o indicador, claro que houve também um esforço no
ensino médio, na escola de tempo integral. Mas essa é a lógica, que é um
pouco a mesma lógica que eu criei a mesma lógica para a saúde, quando
fui governador.
Como assim?
É
a mesma coisa. A responsabilidade do município é o posto de saúde; a do
Estado é ação secundária, terciária. Você tem a União que abraça tudo
isso aqui por meio do SUS. Mas, se esse paciente não tiver a prevenção
lá no município, para saber se ele tem diabetes, se ele tem hipertensão,
aumenta o esforço aqui no hospital. Então, qual foi a mesma lógica? Eu
botei parte do ICMS também para indicadores na saúde para os municípios
lá. Lá, a educação é 18% e, a saúde, 15%. Então, três indicadores
simples: mortalidade infantil, acidente de trânsito, que é o que mais
gera demanda hospitalar, e problemas cardiovasculares. Então, se você
melhorar os indicadores, com atenção primária lá na ponta, no posto de
saúde, há a premiação do posto de saúde, no final do ano. Então, essa é a
lógica.
O
seu nome está entre os ministros mais bem avaliados e aparece como um
dos players para uma candidatura a vice ou mesmo à presidência em 2026. O
senhor pensa nisso?
Eu vou ser muito sincero. Nunca
imaginei ser governador do meu estado e cheguei a ser governador. Também
não contava em ser ministro de uma das pastas que considero mais
importantes da nação. Um país que não olha para educação não vai ter
sucesso. A história já mostrou isso. E olha que eu passei oito anos
muito difíceis, principalmente, nos últimos quatro anos, fui governador
de um estado que era praticamente boicotado pela União. Fomos boicotados
aqui (em Brasília) por tudo. O esforço que nós fizemos para manter foi
enorme. Eu considero um crime federativo (o que sofremos), porque tem
que ter o respeito à democracia, aos resultados das urnas. Da mesma
forma que eu respeito o presidente, mesmo que não seja alinhado
politicamente, eu respeito os prefeitos lá também, que não são alinhados
comigo na época em que eu era governador. Eu tratava todos de forma
republicana. Então, acho que isso é importante na política. Mas
respondendo sua pergunta, meu objetivo agora é procurar dar minha
contribuição aqui. Eu sempre digo que nós estamos aqui numa passagem,
fui governador, passei, dei minha contribuição, vem outro. Eu quero,
aqui, deixar uma contribuição para a educação, que eu acredito que é o
grande caminho para o nosso país.
E qual vai ser a sua marca nesses quatro anos?
Eu
quero chegar ao final dos quatro anos melhorando os indicadores da
educação do país, que são vergonhosos. O Pisa (Programa Internacional de
Avaliação de Alunos) do Brasil, é algo muito ruim. Nós vamos fazer um
Pisa regional, para identificar onde é que está o problema do Brasil que
é tão desigual. Vamos fazer o Pisa por estado para sabermos qual
precisa melhorar. Se a gente faz o Ideb municipal, estadual, por que não
fazer o Pisa?
Mas o senhor ainda não respondeu sobre o futuro…
O
meu foco é ajudar o presidente Lula, ajudar o país, ajudar a educação.
Eu vou me dedicar muito. Eu tenho esse problema quando eu entro no
negócio. Quando ele me convidou para ser ministro, eu tinha um mandato
de senador. Mas eu decidi aceitar porque eu achava que era uma obrigação
minha dar uma contribuição ao meu país. Então eu vou procurar fazer.
Essa é a minha meta.
Tem universidade que tem um professor para cada 2.000 alunos… O senhor vai atacar isso também?
Vamos.
Agora, claro que tem que ter um processo de diálogo, de construção. Nós
suspendemos algumas autorizações, vamos mudar alguns decretos
presidenciais em relação ao EAD. Hoje, das 22 milhões de matrículas
ofertadas, 17 milhões foram EAD no Brasil em 2022. E desse número, nós
ocupamos só 3 milhões. Ou seja, são 14 milhões de matrículas ociosas.
Não vai faltar matrícula. Nós queremos agora avaliar a qualidade desses
cursos, principalmente licenciatura. Criar uma linha do Fies que eu
posso estimular a licenciatura, por exemplo. Ou seja, vamos subsidiar
uma parte, vai pagar menos, vai estimular que o professor faça um bom
curso de licenciatura presencial. Então, nós estamos com uma série de
propostas que estão sendo avaliadas. Já estamos com o relatório pronto,
desse grupo que vem trabalhando ouvindo universidade, especialistas. A
gente quer definir essa política.
E quanto à criação de novas faculdades. Qual a sua visão?
É
importante deixar muito claro, porque houve uma moratória em 2018 e nós
suspendemos essa moratória. Esse período da moratória foi o período que
mais se abriu vagas de medicina privada no Brasil. Quase 21 mil vagas
foram abertas em cinco anos. Aí falam “o governo barrou a moratória”,
mas é mentira. Foi o período que mais se ampliou vagas, e o MEC perdeu o
controle disso. Pelo fato de ele ter feito a moratória, todos os
processos foram judicializados. Hoje nós temos 55 mil pedidos de vagas
de matrículas, só de Medicina, judicializados dentro do MEC. Qual foi a
posição do MEC? Nós vamos encerrar a moratória e agora o MEC vai ser o
protagonista, vai controlar. Aí lançamos o edital para 5.700 vagas, em
dez anos. Qual é a meta? É o Brasil ter a mesma média da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é 3,2 médicos
para cada mil habitantes. Então, nossa meta é em dez anos chegar a isso.
Hoje é quanto?
Hoje é
2,3. Então, vamos lá. Pegando as regiões de saúde do país, qual é a
região que não tem 2,3 na média? São essas regiões que vão ter as
faculdades de Medicina. Um critério claro, transparente, objetivo. Não
vai ser porque quero, vai ser porque lá tem uma necessidade de ter o
curso. Outro aspecto é que você precisa ter infraestrutura para ter um
curso de Medicina. Então, só vai poder ter em cidades que têm um
hospital de tantos leitos. O edital foi lançado, tem um prazo para as
instituições se inscreverem. Havia uma crítica muito grande, uma
cobrança, porque havia uma concentração desses cursos em poucos grupos.
Então, a ideia é que cada um só pode ter, no máximo, dois cursos. Vamos
fazer uma coisa muito competitiva e transparente.
É a resposta a uma certa narrativa, então.
É
bom acabar com isso de o governo passado fez uma moratória e agora esse
governo quer abrir. Não, o contrário. Estamos abrindo justamente para
controlar, para que não haja o que aconteceu, senão ia continuar as
55.000 vagas aqui para ser decidido dentro do MEC, sem nenhum critério,
só por decisão judicial. Então, não.
Há outras questões em relação ao curso de medicina?
O
grande problema na formação do médico no Brasil é a residência médica,
que não tem. Neste edital, um dos critérios é ter residência médica. A
pontuação da instituição vai ser maior se ela tiver maior número de
residência médica. Focar em que tipo de profissional que está precisando
no Brasil, né? Nós temos problemas hoje. Pediatria, por exemplo, é uma
área difícil, ninguém quer.
O
governo cumpriu a promessa e reajustou as bolsas de iniciação
científica depois de dez anos. Mas agora tivemos um bloqueio na verba da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) de
R$ 116 milhões. Há receio de que haja bloqueios maiores. O que o MEC
pensa a respeito?
É bom lembrar que a Capes teve um aumento
de orçamento. Se eu pegar o orçamento executado em 2022, para 2023,
houve um aumento de quase 55%. Nunca aconteceu, na história, um aumento
tão grande. O comitê que gerencia a questão das finanças governamentais,
neste segundo semestre, houve uma queda de arrecadação no país. Então, a
junta orienta e determina que tem que haver alguns cortes para,
exatamente, manter o equilíbrio e as metas fiscais do país. Então, o que
nós orientamos é que uma parte foi, realmente, bloqueada (R$ 50
milhões) e o restante foi contingenciado, podendo voltar no ano que vem.
E não foi só na Capes, foram vários. Contanto que nós não prejudiquemos
nenhum programa que nós fizemos aqui. Pensamos onde nós podemos cortar
que não prejudique. Você reduz as viagens internacionais, então você vai
tentando focar. Gestão é isso.
Quando se fala em educação, comenta-se muito sobre o papel do governo. Mas a sociedade também não tem um papel?
Sem
dúvida. Principalmente quanto a uma coisa que eu considero fundamental
na formação da educação de qualquer criança e qualquer jovem: a
participação da família. A família precisa estar apoiando a sua criança,
o seu filho. Estou aqui generalizando, mas você vê hoje que, com esse
acesso aos meios digitais, às vezes tem pais que não acompanham o que a
criança está olhando na internet. Às vezes o pai, para se ver livre do
filho, dá o celular para ele ficar entretido. Então, o envolvimento da
família na formação educacional dos seus filhos é fundamental. Nós não
podemos perder isso. Eu lembro que quando eu estudava, meu pai ia me
ajudar a fazer meu dever de matemática e a me cobrar a tabuada.
Tudo é jogado para a escola…
Não
podemos jogar só para a escola. A escola é um momento que ele passa lá,
precisa do papel da família, o exemplo dos pais. A escola não pode ser
um ponto isolado, precisa ter a sua integração com a comunidade, os
problemas da comunidade, projetos que possam envolver os nossos jovens
na comunidade, na área ambiental. A gente vê também esse problema da
violência nas escolas, que é fruto muito dessas questões das redes
sociais, das plataformas que não têm regras, não têm punição. Qualquer
um pode botar uma ameaça. O dono da plataforma não tem controle.
É preciso uma legislação mais rigorosa?
O
Congresso precisa aprovar a famosa Lei das Fake News (PL 2630/2020)
para quando acontecer esses incidentes, como ocorreu este ano, o governo
federal chamou as plataformas e exigiu que elas tirassem o conteúdo.
Identificamos através de um processo de parceria com a inteligência dos
estados quem é que estava publicando. Uns foram indiciados, outros foram
presos, foram chamados à delegacia. Precisa chamar para a
responsabilidade. Não pode uma pessoa publicar que vai ameaçar, matar,
defendendo o fascismo, o nazismo, a morte, as armas e ficar por isso
mesmo. A pessoa precisa se responsabilizar e a plataforma que permite
isso também. Então, isso é um problema mundial. Mas o Brasil precisa
estar alerta para isso. A família precisa acompanhar isso, porque o
maior tempo que a criança passa, muitas vezes, é em casa, com a família.
Muitas vezes não é na escola. Então os pais precisam ter essa
responsabilidade.
As mudanças no Enem começam em 2024?
Não,
nós vamos manter como está. Como teremos a discussão do novo Plano
Nacional de Educação (PNE) a partir do ano que vem, vamos analisar o PNE
para os próximos dez anos. Vamos aproveitar e discutir também uma série
de pontos. Discutir as metas da creche, de escola em tempo integral, o
ensino médio, incluindo o Enem. O que o MEC vai fazer agora é respeitar o
Enem, a partir da base comum curricular, para não haver prejuízo para
nenhum estudante neste país.
Uma
das maiores críticas que o senhor recebeu quando assumiu foi o fato de o
Novo Ensino Médio não ter sido revogado, e apenas suspenso. Por que
essa decisão?
Primeiro, como é que eu vou revogar algo que
já estava em andamento? Segundo, eu sou daqueles que acredita que tudo
precisa ser construído com diálogo. Quem executa a política do ensino
médio não é o MEC. E como vou fazer uma mudança com estados que já
tinham implementado no ano anterior? Você prepara o ano letivo no ano
anterior, não é no mesmo ano. O ano letivo de 2023 foi preparado em
2022. Então, como é que eu ia fazer uma mudança, naquele momento, sem
ouvir os estados?
Então qual foi o processo?
Fizemos
uma consulta, ouvir alunos, professores, especialistas, estados.
Infelizmente, é um processo que leva tempo ouvir 130 mil alunos. O
levantamento nos deu um diagnóstico importante do que é o problema do
ensino médio. Não é só a questão curricular. E construímos um consenso. O
projeto de lei já está pronto para o presidente assinar. Conversei
sobre isso com ele.
Como está sendo sua experiência em Brasília? O que está achando da cidade?
A única coisa é que eu sinto falta da minha família.
Mas é agradável?
Muito agradável. Mas o que eu faço aqui é só trabalhar. No final de semana que eles [a família] vieram aqui, eu fui para o Parque da Cidade com os meus meninos. Comemos sushi em um restaurante, aqui tem muito restaurante bom.
O senhor fica na ponte aérea?
Eu vou na sexta e às vezes volto no domingo de tarde, segunda de manhã. Eu tenho um filho de 13, uma de 11 e aí parei. Na pandemia, veio outro, que está com 2 anos. Nós combinamos o seguinte: vamos fazer esse primeiro ano. Tem trabalho, os meninos têm colégio, é uma mudança muito radical.
O senhor fala muito na questão da valorização dos professores. Uma das coisas que a gente vê os professores reclamarem é o Imposto de Renda. Eles precisam trabalhar em vários lugares e, por isso, acabam pagando um valor muito grande de Imposto de Renda. Existe, da parte do MEC, em alguma proposta de isenção ou diminuição de alíquota para que esses profissionais continuem na carreira?
Para ser sincero, nunca havia pensado nisso. Essa demanda também nunca chegou. Mas eu sou um árduo defensor da valorização dos professores nesse país. Fiz isso quando era governador. Queria uma das melhores carreiras para professor e acho, claro que tem limitações orçamentárias, mas o professor precisa ser mais valorizado no Brasil. Para mim é a profissão mais importante. Então, acho que o grande avanço que o país teve foi o reajuste do piso nacional, que acho que precisa ter alguns ajustes. Eu também olho um pouco a parte do gestor, você não pode ter ano que tem um reajuste de 5% e ano que tem, como teve, de 33%. Você pega ali desprevenido um gestor que está com um planejamento orçamentário. Acho que precisamos ter um equilíbrio aí de reajuste, de valorização, com ganho real para os professores, mas que também dê tranquilidade e equilíbrio para os gestores não serem pegos de surpresa. Mas eu sou um defensor intransigente de que nós precisamos valorizar os professores.
É um desafio em escala global.
Aliás, é um problema porque nós vamos assumir agora o G-20, que tem o grupo de educação. Nós escolhemos dois temas. Um deles é a valorização dos professores. É um problema no mundo, as pessoas não querem ser professor. E às vezes vão para ser professor porque acham que não têm opção. Então, nós precisamos criar mecanismos, estimular a importância. E aí, claro que as pessoas querem uma profissão que valorize, que tenha um salário bom e tal.
O senhor é uma referência nessa área. Desde quando o senhor considera a questão da educação uma prioridade? Isso passou a ser uma meta, uma bandeira?
Eu fui professor já. Sempre foi uma área que acreditei, a educação é o grande caminho para transformar a vida das pessoas. Claro que a única oportunidade que eu tive de poder contribuir mais fortemente com isso foi como governador do Ceará, de implementar e fazer avançar, por acreditar nisso. Às vezes um político não quer saber da educação porque o resultado não é a curto prazo, é a longo prazo. Prefere fazer ali a rodovia, a obra e tal. Mas é uma questão de princípio, por acreditar que esse é o grande caminho. Nós precisamos sair da retórica de que a educação é a base de tudo e precisa colocar isso na prática. Então, isso é decisão política. Quando um presidente, um governador, um prefeito, decide que isso vai ser a prioridade. É enxergar a transformação. Quando a gente vê um jovem se formar e ter a oportunidade de melhorar a vida. O filho de uma doméstica, de um trabalhador rural, virar médico e virar engenheiro. Isso é uma coisa que transforma a vida das pessoas. O povo só precisa de uma oportunidade.