Um estudo recente da Gênero e Número, realizado em parceria com a Revista AzMina e o Portal Catarinas, revelou dados alarmantes sobre as mortes relacionadas ao aborto no Brasil. Entre os anos de 2012 e 2022, cerca de 483 mulheres perderam suas vidas devido a complicações decorrentes de abortos realizados em hospitais da rede pública de saúde. Esses números lançam luz sobre as consequências da legislação restritiva sobre o aborto no país.
A pesquisa examinou mais de 1,7 milhão de internações registradas no Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS) relacionadas à gravidez que resultou em aborto. Esse estudo abrange diversas categorias, como aborto espontâneo, aborto por razões médicas e legais, falha de tentativa de aborto e outras complicações.
Uma das descobertas mais preocupantes é que o maior número de mortes ocorreu nos casos de “falha na tentativa de aborto”. Esses são abortos incompletos que levaram à internação para concluir o procedimento. A cada 28 internações nessa categoria, uma paciente perde a vida, e o risco de morte é 140 vezes maior do que em todas as outras categorias combinadas.
O ginecologista e obstetra Cristião Fernando Rosas, coordenador da Rede Médica pelo Direito de Decidir, destacou, em entrevista ao Uol, que o aborto é considerado o evento reprodutivo mais seguro que existe. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a descriminalização do aborto e a capacitação dos profissionais de saúde para garantir um atendimento seguro.
Mulheres em protesto contra a legalização do aborto. Reprodução
No Brasil, o aborto é permitido apenas em três situações: gravidez decorrente de estupro, risco para a vida da gestante e anencefalia do feto. Mesmo nos casos permitidos por lei, o Ministério da Saúde orienta que a interrupção aconteça até a 20ª ou 22ª semana de gestação. No entanto, há discussões em andamento para revisar essas normas.
Os dados do SIH-SUS também revelam disparidades alarmantes, com mulheres pardas enfrentando mais de duas vezes o risco de morte por “falha na tentativa de aborto” em comparação com mulheres brancas. Essas disparidades refletem o impacto do racismo sistêmico no acesso à saúde e nas decisões reprodutivas.
Especialistas apontam que a criminalização do aborto no Brasil leva as pessoas a recorrerem a métodos não seguros e sem assistência médica adequada, resultando em complicações, hemorragias e mortes evitáveis. Em países que descriminalizaram o aborto, houve uma queda significativa nas mortes maternas por aborto, sem aumento no número de procedimentos realizados.
Além da criminalização, os especialistas também destacam o uso de métodos obsoletos, como a curetagem uterina, que ainda são aplicados no sistema público de saúde. A OMS recomenda a utilização de métodos modernos, como a aspiração por vácuo e o aborto medicamentoso, que são mais seguros e eficazes.
Na última sexta-feira (22), a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, deu seu voto favorável à descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. A pauta pode colocar o Brasil em pé de igualdade com sete países da América Latina que já criaram leis progressistas sobre o tema, como Uruguai, Cuba, Guiana, Guiana Francesa, México, Argentina e Colômbia.