Em votação nesta quarta-feira (15), o plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu, por unanimidade, obrigar Jair Bolsonaro a entregar à Secretaria-Geral da Presidência do governo Lula, no prazo de até 5 dias, joias milionárias e armamentos recebidos em viagens ao Oriente Médio entre 2019 e 2022.
A decisão se trata de uma reforma da determinação proferida pelo ministro Augusto Nardes na última semana em resposta a uma ação protocolada pela deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL-SP). Na ocasião, o magistrado proibiu Bolsonaro de utilizar ou vender joias dadas como "presente" pelo governo da Arábia Saudita ao Estado brasileiro e que o ex-presidente se apropriou de maneira clandestina. Na votação desta quarta-feira, entretanto, Nardes mudou sua posição e foi seguido pelos demais ministros, que endureceram a resolução ao darem prazo de 5 dias úteis para que o ex-presidente entregue o estojo de joias.
"Acho que seria muito bem-vindo que isso fosse feito, pois parece que a PF está fazendo algo neste sentido", afirmou na votação o ministro Benjamin Zymler.
Na mesma viagem oficial, em outubro de 2021, na qual o governo saudita deu à comitiva de Bolsonaro as joias de R$ 16,5 milhões que foram apreendidas pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos - as peças não foram declaradas e estavam escondidas na mala de um assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque -, as autoridades do país árabe presentearam o ex-mandatário com um segundo conjunto de peças de luxo milionárias, composto por relógio (de R$ 223 mil), abotoaduras, caneta, anel e uma espécie de rosário.
Este segundo estojo de joias entrou no Brasil de forma ilegal através de Bento Albuquerque que, ao contrário de seu assessor, não foi pego pela Receita Federal chegando ao país com as peças não declaradas. O ex-ministro passou um ano com o conjunto valioso mantido sob sua posse - e sem ser declarado - e, somente em novembro de 2022, isto é, um mês antes de Bolsonaro deixar o país, entregou o pequeno tesouro ao então mandatário no Palácio da Alvorada, conforme mostra um recibo da presidência da República.
O próprio Bolsonaro chegou a admitir, em entrevista já após o escândalo ser revelado, que incorporou o segundo estojo árabe ao seu “acervo pessoal”, sob a alegação de que trata-se de um presente “personalíssimo”. O ex-presidente, no entanto, não poderia se apossar das joias. Pela lei, elas deveriam ir para o acervo da presidência da República.
Antes dos presentes das Arábias, Bolsonaro recebeu em 2019, durante viagem oficial nos Emirados Árabes, um fuzil calibre 5,56mm, de uso restrito, e uma pistola 9mm.
As armas teriam sido repassadas a um terceiro que as entregou para Bolsonaro dentro do avião da FAB. O fuzil vale entre R$ 32 mil e R$ 42 mil, enquanto a pistola é avaliada entre R$ 5,9 mil e R$ 15,6 mil.
O fato de Bolsonaro ter se apossado dos armamentos e os incorporado ao seu "acervo pessoal" pode ser considerado ilegal, visto que acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) diz que “o recebimento de presentes de uso pessoal com elevado valor comercial", por parte do presidente da República, "extrapola os limites de razoabilidade” e, por isso, devem ser devolvidos, quando for este o caso, à União.
Foi com base neste entendimento que o TCU determinou, recentemente, que membros da comitiva de Bolsonaro que o acompanharam na mesma viagem aos Emirados Árabes devolvam relógios de luxo das marcas Hublot e Cartier, dados por autoridades do país do Oriente Médio, que chegam a custar R$ 53 mil cada um. Como o valor das armas que Bolsonaro trouxe ao Brasil é parecido, ele não poderia ficar com elas.
Por este motivo, a deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL-SP) protocolou junto ao Ministério Público Federal (MPF), nesta sexta-feira (10), uma representação em que solicita a prisão preventiva de Bolsonaro por improbidade administrativa, peculato e tráfico internacional de armas, que é um crime hediondo.
Segundo a deputada, o crime de improbidade administrativa estaria configurado pelo fato de Bolsonaro não ter respeitado o acórdão do TCU ao incorporar as armas ao seu acervo privado. Já a prática de peculato estaria na apropriação que o ex-presidente fez do fuzil e da pistola, que deveriam ser considerados, pelo valor, bens públicos. O crime de tráfico internacional de armas, por sua vez, teria sido praticado a partir do momento em que o ex-mandatário importou o armamento pesado e de uso restrito "sem autorização do Estado brasileiro".