Inicialmente, o presidente resistiu em ficar na hospedagem, mas o fato de o local contar com um aparato forte de segurança do serviço secreto americano acabou pesando na decisão. A Blair House fica praticamente em frente à Casa Branca e, segundo o governo brasileiro, vai funcionar como uma espécie de "embaixada" em termos de segurança e infraestrutura. Embora Brasília reconheça que há risco de protestos e atos de bolsonaristas, integrantes da comitiva afirmam que não foi identificado nenhum risco relevante. Há também convocações na internet para atos de apoio a Lula.
O encontro entre Biden e Lula está previsto para as 15h30 (17h30 em Brasília) de sexta-feira. Eles se reúnem pouco mais de um mês depois que bolsonaristas radicais invadiram e depredaram o Congresso, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal em Brasília, pedindo intervenção militar. Os atos brasileiros têm inspiração na invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, quando apoiadores do ex-presidente Donald Trump tentaram impedir a posse de Biden. As ameaças à democracia nos dois países é tema de destaque da agenda de ambos os líderes. Desde que Lula foi eleito, em outubro de 2022, o americano telefonou algumas vezes para seu contraparte brasileiro e condenou publicamente os atos golpistas.
Nos bastidores, o governo brasileiro espera um compromisso claro por parte de Biden em defesa da democracia. Porém, até o momento não há confirmação de uma declaração conjunta à imprensa dos dois presidentes, como costuma ser feito em visitas de lideres internacionais à Casa Branca. Brasília vem dizendo que busca, com a viagem, tirar as relações bilaterais do estado de "banho-maria" desde que Biden assumiu a Casa Branca, em janeiro de 2021. Fã declarado de Trump, Bolsonaro imprimiu em seu governo uma marca de alinhamento automático a Washington, mas as relações esfriaram desde que seu aliado foi derrotado pelo candidato democrata, em 2020.
Na sequência do encontro bilateral, haverá uma reunião estendida com participação da comitiva presidencial e seus contrapartes americanos. O presidente brasileiro chegou aos EUA acompanhado dos ministros Anielle Franco (Direitos Humanos), Fernando Haddad (Fazenda), Marina Silva (Meio Ambiente) e Mauro Vieira (Relações Exteriores). Além deles, integram a comitiva o secretário-executivo do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Márcio Elias Rosa, o assessor-chefe da Assessoria Especial da Presidência, Celso Amorim, e o líder do governo no Senado, Jaques Wagner. A primeira-dama, Janja Lula da Silva, também acompanha Lula e deverá ter uma conversa privada com a primeira-dama americana, Jill Biden, enquanto os presidentes conversam no Salão Oval.
Guerra na UcrâniaAlém da democracia e de temas comerciais, o governo brasileiro deve levar para a pauta do encontro a questão do conflito entre Rússia e Ucrânia, porto de divergência das duas partes. Lula tem se recusado a fornecer armamentos para os ucranianos e vislumbra ocupar um papel de negociador na dissolução da guerra. Já a gestão Biden tem dado suporte às forças de Kiev. Em dezembro, às vésperas do Natal, ele recebeu o presidente da Ucrânica, Volodymyr Zelensky, em forte aceno político.
Há ainda a previsão de que a situação imigratória de brasileiros e a forma como Washington vem fazendo a deportação de pessoas indocumentadas para o Brasil seja revista. Lula pretende levar uma mensagem para os mais de 2 milhões de brasileiros que vivem nos EUA, sobretudo para motivar que eles não deixem de procurar os aparatos estatais de amparo, como atividades consulares. Outra perspectiva é de que os dois governos revejam a política de visto para americanos e brasileiros. Em 2019, Bolsonaro abriu mão da exigência de visto para entrada de americanos em território brasileiro, o que é avaliado como uma perda de negociação pelo fim de uma política habitual de reciprocidade.
Além do encontro com Biden na Casa Branca, Lula deve aproveitar o espaço da Blair House para receber convidados. Na manhã de sexta, o petista se reunirá com o senador independente Bernie Sanders, do estado de Vermont. Sanders integra o grupo de parlamentares americanos que pedem a expulsão de Bolsonaro dos EUA. Bolsonaro está na Flórida desde de 30 de dezembro. O ex-mandatário entrou no país com visto oficial, mas agora aguarda a resposta ao pedido apresentado junto às autoridades americanas para obter um visto de turista. O tempo de permanência de Bolsonaro nos EUA ainda é incerto.
Além de Sanders, Lula vai receber parlamentares democratas, mas a lista de visitantes ainda não foi divulgada. Na sequência, o presidente brasileiro terá um encontro com representantes da Federação Americana de Trabalho e Congresso de Organizações Industriais (AFL-CIO). Não há previsão de agenda de Lula fora da Blair House, com exceção da visita à Casa Branca.
Empresários
Inicialmente, o governo brasileiro planejava um encontro empresarial em Washington, mas, na semana passada, os empresários foram informados da desistência pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex). Nos bastidores, integrantes do governo responsabilizam a demora da Casa Branca na confirmação do horário e da data do encontro entre Lula e Biden. Isso teria deixado o convite para os empresários de última hora, o que poderia resultar em esvaziamento das confirmações.
Além disso, havia uma preocupação de manter aliados do bolsonarismo longe da agenda empresarial. Uma preocupação específica era em relação a Cássia Carvalho, diretora-executiva do Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos, da Câmara de Comércio dos Estados Unidos. Cássia é considerada apoiadora do ex-presidente Bolsonaro e, para evitar sua interferência no evento empresarial, o governo havia pré-reservado um espaço em um hotel de luxo da cidade para a reunião e não na sede da Câmara.
A desmarcação sem justificativas claras por parte do governo tem sido alvo de queixa de empresários, que avaliam para fontes ligadas à organização que há uma "perda de oportunidade" por parte de Brasília. Há reclamações específicas direcionadas ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Até o momento, não há previsão de que ele tenha agendas separadas de Lula. Havia uma expectativa de um aceno por parte dele a instituições multilaterais por meio de visitas às sedes do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional (FMI) ou do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
A visita de Lula também tem se mantido distante da Embaixada do Brasil em Washington, comandada por Nestor Foster Jr., aliado de primeira ordem de Bolsonaro. O diplomata, escolhido pelo ex-presidente para chefiar o principal posto brasileiro no exterior, já teve sua saída publicada em Diário Oficial, mas está oficialmente em férias no momento de realização da visita. Não há previsão de eventos oficiais na embaixada para Lula e sua equipe.
O governo Lula já indicou uma substituta para o cargo de Foster, a embaixadora Maria Luiza Viotti, cujo pedido de agréement (um aceite do governo onde a diplomata vai servir) já foi aprovado pelos Estados Unidos. Viotti ainda aguarda a aprovação pelo Senado para assumir o cargo. Ela será a primeira mulher da história da diplomacia brasileira a assumir essa posição.
Durante a organização da visita, a equipe do presidente informou que toda a comitiva apresentou declarações de vacinação, sinalizando o posicionamento da atual gestão em favor da imunização contra a Covid. Bolsonaro não divulgou publicamente se recebeu ou não as vacinas contra a doença, mas chegou a contestar a eficácia do imunizante por diversas vezes, além de ter minimizado a gravidade da doença. Aliados do ex-presidente, como Foster, não se vacinaram.
A Casa Branca tem reforçado protocolos de segurança física de Lula e sua comitiva, mas também contra a Covid-19. Foi exigida de toda a comitiva e também da imprensa que vai cobrir o encontro a declaração de vacinação contra a doença. Além disso, todos que entrarem na Casa Branca precisarão se submeter a um teste de Covid. Lula, segundo sua assessoria de imprensa, será testado por uma equipe de médicos brasileiros.