A repercussão da morte de Pelé na imprensa internacional reflete a estatura de sua história. “Morre Pelé, um símbolo supremo do futebol espetáculo”, destaca o argentino El Clarín.
“Nesta quinta-feira, 29 de dezembro, o planeta chora. E não é para menos. Edson Arantes do Nascimento é um dos exclusivos integrantes do Olimpo do esporte mundial. Aquele em que só se podem incluir nomes como Classius CLay ou Michael Phelps, Roger Federer ou Usain Bolt”.
O mexicano El Universal considera que “Pelé é o melhor futebolista de todos tempos”.
“Ao longo de sua historia, o futebol teve grandes figuras, mas nenhuma à altura de Edson Arantes do Nascimento”.
“Ninguém ganhou mais vezes a Copa do Mundo do que ele. No futebol, esporte baseado em gols, Pelé marcou 1.283 em 1.367 partidas”, enumera.
“Até hoje é o mais jovem a ser campeão do Mundo. Na época em que jogava Pelé, o futebol era diferente. A bola era mais pesada e os campos não tinham o mesmo cuidado do que hoje. O Rei considerou fazer com o que difícil parecesse fácil”.
“Finalmente, o reconhecimento de figuras atuais e do passado. O próprio Diego Armando Maradona confessou que meu máximo desejo era vê-lo e uma vez chegado à elite era conhecido como ‘o novo Pelé’. O Cristiano Ronaldo, Lionel Messi, Kylian Mbappé, Neymar, Erling Haaland, entre outros, são figuras da atualidade que reconhecem a grandeza e o legado do astro brasileiro”.
No Reino Unido, a BBC disse que Pelé “globalizou o futebol”. Jornal de maior tiragem, o Daily Mail diz que “é visto pelos seus contemporâneos como o melhor, mas que sua estima pelos brasileiros vai muito além do estádio, vai do esporte à política e à cultura popular”.
“O brasileiro alcançou a excelência em um esporte criado por ricos que os pobres como ele abraçam e converteram em um fenômeno de massa”, analisa o El Pais.
“O talento dentro do campo daquele homem negro, sempre alegre, que desfrutava dançando com a bola, coincidiu com a chegada de um novo aparato aos lares de todo o mundo. A popularização da televisão o impulsionou a uma fama planetária em preto e branco”.
“Depois, em todas as cores. O Brasil era um pais gigante e promissor, que aboliu a escravidão apenas no final do século XIX”, lembra.
“Entre suas façanhas com o Santos, conseguiu uma breve trégua na guerra da Biafra, decretado como motivo do amistoso que jogaram no pais em 1969”.
“Os triunfos do rei do futebol colocaram seu pais no mapa. Pelé e Brasil eram sinônimos.”
Ambiguidades
Mas não só por gloria ou por talento Pelé é lembrado. O francês Le Monde destaca as “ambiguidades políticas do rei do futebol, longe do campo”.
“O brasileiro foi frequentemente criticado, durante e depois de sua carreira, por sua proximidade com figuras do poder autoritário e por sua fixação com os negócios. Ministro do esporte entre 1995 e 1999, chegou a considerar a ideia de se eleger presidente”.
Sua relação com a ditadura militar é uma das manchas de sua carreira. “Pelé não protesta e se torna sem reagir o rosto alegre de uma ditadura sinistra. De volta ao pais depois de sua vitória contra a Itália, o jovem rei vai imediatamente a Brasília, para levantar a taça ao lado do general Médici. Jamais será ouvido pronunciar uma palavra de apoio aos presos políticos”.
“O jogador nem sempre manteve boas relações com os generais e até foi alvo das criticas do regime em razão de sua recusa de participar do mundial de 1974. Criticado, ameaçado”, pondera.
“Fica em silêncio sobre os grandes debates brasileiro, em particular raciais. Os militantes do movimento negro, que esperava fazer dele um ícone, ficarão à própria sorte. Pelé sempre relativizaria a realidade do racismo”, aponta.
“No Brasil, alguns não hesitariam em chama-lo de traidor Negro Sim Sinhô, submisso e servil, pronto para tudo para cair nas graças da elite branca. Uma imagem reforçada pela atualidade recente. No final de 2020, quando a pandemia de Covid-19 arrasava no Brasil, Pelé dedica um uniforme do Santos ao presidente de extrema direita Jair Bolsonaro, acostumado a declarações racistas”.
“No poder, o ex-capitão adotou a ‘lei Pelé’, que abre o caminho à especulação no mercado de jogadores do futebol brasileiro. Milionário descomplexado, Pelé nunca escondeu sua visão ultraliberal e seu gosto pelo que brilha. Na TV, foi garoto-propaganda da Pepsi, mas também de telefones, jogos de video-game, roupas e até viagra… Em 2014, ele coloca à venda 1.283 diamantes fabricados a partir do carbono de seus cabelos. Pelé, rei Midas”.
“E dai? Egocêntrico e narcisista, o ‘rei’ se crê intocável. Um erro. Seu povo o admira, mas cada vez menos”.
“Em 2014, a ruptura entre o monarca e os seus aparece. O Mundial brasileiro é contestado por manifestantes, denunciando corrupção e violação de direitos humanos nos canteiros. Irritado, Pelé chama os refratários a sair das ruas.”
Pelé, um retrato do Brasil, de suas contradições globais.