O presidente russo, Vladimir Putin, esteve nesta quinta-feira (2) na cidade russa de Volgogrado para participar das celebrações do 80º aniversário da vitória na Batalha de Stalingrado, marco da virada das tropas soviéticas contra a Alemanha Nazista na Segunda Guerra Mundial. Ao discursar, Putin declarou que a Rússia está sendo novamente ameaçada por tanques alemães.
"É inacreditável, mas é fato. Estamos novamente ameaçados por tanques Leopard alemães, a bordo dos quais há cruzes. E novamente eles estão tentando lutar contra nós com as mãos dos seguidores de Hitler: os seguidores de Bandera", disse Putin, fazendo referência a Stepan Bandera, ícone de ultranacionalismo ucraniano, que colaborou com Hitler na Ucrânia durante a Segunda Guerra Mundial.
"Não enviamos nossos tanques para suas fronteiras, mas temos com o que responder, e o uso de veículos blindados não vai acabar", acrescentou.
Vale lembrar que a justificativa da Rússia para a invasão da Ucrânia, classificada por Moscou como “operação especial militar”, em 24 de fevereiro de 2022, foram os objetivos de "desmilitarização" e "desnazificação" da Ucrânia.
Posteriormente, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, ao explicar a declaração de Putin a jornalistas, disse: "A Rússia tem um potencial e, à medida que novas armas fornecidas pelo Ocidente coletivo aparecerem, a Rússia usará seu potencial existente em toda a extensão, a fim de responder no âmbito da operação militar especial".
A retórica belicosa acontece no contexto da inédita decisão da Alemanha de fornecer tanques Leopard-2 à Ucrânia. Berlim vinha relutando há meses para confirmar a entrega deste tipo de equipamento militar a Kiev. O anúncio foi seguido por uma série de outros países.
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, chegou a declarar na semana passada que 12 países se juntaram ao que ele chamou de "coalizão de tanques" para ajudar a Ucrânia a lutar contra a Rússia. De acordo com o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, as Forças Armadas da Ucrânia receberão de 120 a 140 tanques ocidentais modernos como parte da "primeira onda" de assistência.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o cientista político Ivan Preobazhenskii, observa que a evolução do tipo de assistência militar à Ucrânia reflete a mudança de fases da guerra iniciada pela Rússia. Ele destaca que, na primeira etapa, o Ocidente fornecia condicionalmente apenas armamentos defensivos como os mísseis antitanque Javelin e sistemas antiaéreos portáteis.
"Os aliados ocidentais acreditavam que o rumo do exército ucraniano era realizar ações militares guerrilheiras, e forneciam armamentos correspondentes. Quando ficou claro que o exército ucraniano estava em condições de realizar ações militares plenas contra a Rússia, começaram a entregar armamentos soviéticos antigos mantidos por países da Otan e a discussão era sobre uma guerra defensiva", explica.
O pesquisador aponta que, em seguida, após uma série de operações bem sucedidas de retomada de regiões ucranianas como Kharkov e Kherson, a capacidade das forças ucranianas de avançar e fazer com que as tropas russas recuassem ficou travada, porque o exército ucraniano não possui armas ofensivas e Moscou realizou uma mobilização de mais de 300 mil novos soldados, bloqueando a frente de batalha.
O atual reforço da "coalizão de tanques" representa, então, a primeira entrega em grande quantidade de armas ofensivas à Ucrânia e acontece em meio à expectativa de uma nova ofensiva russa de grande escala para consolidar territórios controlados por Moscou no leste da Ucrânia.
"Isso é uma nova etapa, é uma decisão que mostra que o Ocidente está disposto a apoiar uma ofensiva ucraniana. Isso também é uma resposta ao fato de que a Rússia prepara sua ofensiva e a Otan enxerga isso perfeitamente [...] querem dar a entender ao Kremlin que há a expectativa de que a Ucrânia irá rebater esta ofensiva e que haverá punição pelo que a Rússia está fazendo, dando [à Ucrânia] a possibilidade de realizar uma contraofensiva e libertar os territórios que ainda estão ocupados", afirma Preobrazhenskii.
No entanto, o cientista político diz que sem o fornecimento de aviação e pleno armamento de longo alcance, "não existe a possibilidade da guerra transbordar para o território da Crimeia e para a fronteira da Rússia com a Ucrânia". A Alemanha já declarou que rejeita a ideia de fornecer caças a Kiev, mas alguns países dão sinais que podem dar esse passo a mais na intensificação do armamento ucraniano.
Ao ser questionado sobre o possível fornecimento de caças à Ucrânia, o presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou na última segunda-feira (30) que "nada está descartado".
"Em primeiro lugar, deve haver um pedido do lado ucraniano. Em segundo lugar, a escalada deve ser descartada. O que fornecemos não deve afetar o território russo, mas deve proteger a Ucrânia. Em terceiro lugar, nossa assistência não deve enfraquecer a capacidade de defesa da França" , disse Macron.
Moscou respondeu duramente às falas do presidente francês. A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, declarou que tal passo levaria a uma escalada da guerra na Europa.
"O presidente da França está realmente certo de que se armas, armas pesadas e aeronaves, forem fornecidas ao regime de Kiev para conduzir operações de combate, isso não levará a uma escalada da situação? Recuso-me a acreditar que um adulto seja guiado por esse tipo de lógica", frisou.
Uma publicação do New York Times, citando fontes do Pentágono, relatou que as autoridades estadunidenses podem permitir que países terceiros transfiram caças F-16 de fabricação americana para a Ucrânia, mas que seria improvável que Washington envie seus próprios aviões.
De acordo com as fontes, a Ucrânia pode receber caças F-16 da Dinamarca ou da Holanda. A Holanda, em particular, teria cerca de 40 aeronaves F-16 à sua disposição e a Dinamarca está mudando para caças F-35 mais modernos e sinalizou que está pronta para transferir os F-16 para a Ucrânia.
O ex-diretor de assuntos europeus do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, coronel Alexander Vindman, em publicação da revista Foreign Affairs, afirmou que com a ajuda dos tanques ocidentais e outras armas, as forças armadas da Ucrânia podem liberar a região de Zaporozhye e o sul de Donbass para chegar à costa do Mar de Azov, destruindo o corredor terrestre russo.
Segundo ele, se essas incursões forem bem sucedidas, "é possível imaginar uma eventual campanha ucraniana para retomar a Crimeia", anexada pela Rússia em 2014.
"É provável que a Ucrânia comece a atacar mais infraestrutura militar da Rússia na Crimeia, em preparação para uma campanha mais ampla para libertar a península. Em vez de esperar que esse cenário se desenrole, arriscando uma guerra mais longa e perigosa que poderia envolver a Otan, Washington deveria dar à Ucrânia as armas e a assistência de que precisa para vencer rápida e decisivamente em todos os territórios ocupados ao norte da Crimeia", argumenta o especialista militar.
Pressão do Ocidente sobre o Brasil?
A pressão do Ocidente para um maior apoio militar à Ucrânia não se restringe à União Europeia. A Alemanha pediu que o Brasil vendesse munições de tanques para serem enviadas à Ucrânia. O Brasil se negou e manteve a neutralidade no conflito. Nesta semana, o chanceler alemão Olaf Scholz realizou uma turnê pela América Latina e, em visita ao Brasil, voltou a discutir o assunto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que reiterou a posição de não interferir na guerra.
De acordo com Lula, "o Brasil não tem interesse em passar as munições para que ela não seja utilizada na guerra entre Ucrânia e Rússia".
"O Brasil é um país de paz. O último contencioso nosso foi na Guerra do Paraguai e, portanto, o Brasil não quer ter qualquer participação, mesmo que indireta. Porque eu acho que nesse instante do mundo nós deveríamos estar procurando quem é que pode ajudar a encontrar a paz entre Rússia e Ucrânia", afirmou o presidente brasileiro.
Já o chanceler alemão, após a reunião com o presidente brasileiro, disse que a guerra é uma violação do direito internacional e voltou a condenar a Rússia. Segundo ele, "essa guerra não é uma questão europeia, mas uma questão que diz respeito a todos nós".
O cientista político Ivan Preobrazhenskii acredita que a Alemanha pode aumentar a pressão sobre o Brasil para o fornecimento de munições. De acordo com ele, se a Alemanha e os países da União Europeia estão fornecendo tanques à Ucrânia e, com isso, não conseguem produzir a quantidade necessária de munição que acreditam ser necessária, "é claro que haverá uma pressão".
"Mas a Alemanha não pode dizer pro Brasil: 'vamos deixar suas munições para o estoque e nossas munições vamos entregar à Ucrânia'. É claro que isso não vai funcionar assim, e as autoridades brasileiras não são obrigadas a confiar na Alemanha e achar que eles podem fazer um filtro", completa.
Edição: Thales Schmidt