As informações originais foram publicadas pela Folha de S. Paulo e ajudam a reconstruir os primeiros momentos da pandemia no Brasil. Na época, o país contabilizava apenas 69 casos confirmados e a primeira morte ocorreria no dia seguinte, em São Paulo. Enquanto isso, a Itália já vivia uma crise sanitária sem precedentes, com hospitais sobrecarregados e um número crescente de óbitos.
A resposta do governo brasileiro foi marcada pela retórica negacionista do então presidente Jair Bolsonaro (PL), que minimizou a gravidade da doença desde os primeiros momentos. "Rapidamente foi perceptível que a postura brasileira seria o negacionismo", afirmou Deisy Ventura, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP. No dia 9 de março, Bolsonaro discursou em um evento esvaziado em Miami, nos Estados Unidos, alegando que o coronavírus estava sendo superdimensionado pela mídia.
Apesar das declarações presidenciais, algumas medidas iniciais sugeriam uma preocupação com o avanço da doença, como a repatriação de brasileiros que estavam em Wuhan, epicentro do surto na China, e a declaração de emergência sanitária feita pelo então ministro da Saúde, Henrique Mandetta, em fevereiro. No entanto, decisões contraditórias marcaram os primeiros momentos da crise. No dia 12 de março, Bolsonaro apareceu de máscara em sua transmissão semanal ao vivo, recomendando cautela. Poucos dias depois, no entanto, delegou a coordenação da resposta à pandemia à Casa Civil, esvaziando a autoridade do Ministério da Saúde.
Nos Estados Unidos, Donald Trump também minimizava a gravidade do vírus e cortava recursos para a OMS, prejudicando esforços globais de combate à pandemia. Na Itália, imagens dramáticas revelavam o impacto devastador da doença, como o caso de uma mulher que ficou dias em casa com o corpo do marido falecido, aguardando o serviço funerário sobrecarregado.
Em 24 de março, Bolsonaro intensificou sua retórica ao chamar a Covid-19 de "gripezinha", termo que se tornaria emblemático de sua gestão durante a crise sanitária. Embora tenha negado posteriormente o uso da expressão, há registros em vídeo que comprovam a declaração. O posicionamento do governo brasileiro contribuiu para um atraso significativo na resposta à pandemia, com reflexos diretos no número de mortes. Em 2020, quase 195 mil brasileiros perderam a vida para a doença. No ano seguinte, enquanto grande parte do mundo já iniciava campanhas de vacinação e reabria suas fronteiras, o Brasil vivia seu período mais letal, com mais de 424 mil mortes.
A demora na compra de vacinas e a insistência na tese da "imunidade de rebanho" fizeram com que a crise sanitária se prolongasse no país. Segundo a professora Deisy Ventura, houve uma estratégia deliberada de disseminação da doença dentro do governo Bolsonaro, baseada na ideia de que a circulação do vírus levaria naturalmente ao controle da pandemia. O conceito, no entanto, ignorava a existência da vacinação, que oferece imunização sem necessidade da infecção, reduzindo drasticamente o número de mortes.
Como destacou o infectologista Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), em entrevista à Folha em dezembro de 2024, "todas as pandemias terminam da mesma forma, com o atingimento de uma boa imunidade populacional. A diferença é que você pode atingir isso com milhares de mortes ou milhões de mortes". No Brasil, o custo da demora nas medidas preventivas e na imunização foi uma das tragédias mais marcantes da história recente do país.