Em 8 de janeiro de 2023, o Brasil assistiu a um dos episódios mais críticos para sua democracia recente: o Palácio do Planalto, símbolo do poder executivo, foi invadido por manifestantes que destruíram patrimônio público e ameaçaram a estabilidade das instituições.
Agora, documentos confidenciais obtidos pela coluna revelam que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão responsável pela segurança da Presidência da República, cometeu uma série de falhas críticas e omissões que facilitaram a invasão. O documento detalha omissões e problemas graves de coordenação no fluxo de informações, apontando para uma série de erros que culminaram na vulnerabilidade do Palácio do Planalto.
O relatório sigiloso da PET 11.119 DF, elaborado pela Polícia Federal, concentra-se nas falhas operacionais e estratégicas do GSI relacionadas aos eventos de 8 de janeiro e detalha omissões e problemas graves de coordenação no fluxo de informações de inteligência, apontando para uma série de erros que culminaram na vulnerabilidade do Palácio do Planalto. Entre os nomes centrais no documento estão Alexandre Santos de Amorim e Saulo Moura da Cunha, ambos ingressos na Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) durante a gestão do general Augusto Heleno, ex-chefe do GSI e agora investigado pela Polícia Federal por suspeita de envolvimento na tentativa de golpe.Cunha e Amorim foram mantidos em cargos estratégicos no GSI até março de 2023, quando o então interventor Ricardo Capelli, nomeado para reorganizar o órgão após a crise de janeiro, demitiu os envolvidos. Carlos José Russo Assunção Penteado, também associado à gestão de Heleno, foi exonerado na mesma leva. Essa rede de influência, segundo o relatório, teve papel direto na fragilidade da resposta aos atos do dia 8.
Omissão de inteligência e falha de Gonçalves Dias no repasse de informaçõesSegundo o relatório da PET 11.119 DF, o general Gonçalves Dias, então chefe do GSI, recebeu alertas detalhados e críticos sobre o crescimento das manifestações e o potencial de violência, informações enviadas diretamente por Saulo Moura da Cunha, então diretor da ABIN. A análise do celular de Cunha confirma que ele enviou, desde o início de janeiro de 2023, dados estratégicos sobre o aumento exponencial de manifestantes em Brasília e a chegada de mais de 100 ônibus com participantes, indicando que o tom dos protestos se tornava cada vez mais agressivo. Essas informações também incluíam registros de discursos inflamados, evidenciando um cenário que demandava uma resposta mais ágil e incisiva do GSI.
Apesar da gravidade das informações, o relatório revela que Gonçalves Dias falhou em repassar esses alertas ao setor operacional de segurança do Palácio do Planalto. Ele também não promoveu ajustes no Plano Escudo, o protocolo de defesa que deveria ter sido adaptado para conter a ameaça iminente. A ausência de compartilhamento de dados críticos e a falta de adaptações no plano de defesa foram fatores decisivos na falha da resposta do GSI. Essa retenção de inteligência impediu que a equipe de segurança tivesse uma avaliação precisa e atualizada do cenário, limitando a preparação e o tempo de resposta diante da invasão.
Falhas na avaliação de criticidade e subestimação dos riscos
Outro aspecto decisivo na vulnerabilidade do Planalto foi a subestimação do risco representado pelos manifestantes. Alexandre Santos de Amorim, coronel e chefe da Coordenação-Geral de Análise de Risco do GSI, era responsável pela classificação do nível de criticidade dos eventos. Mesmo com alertas crescentes sobre a gravidade da situação, Amorim optou por manter a classificação de criticidade em “laranja”, uma avaliação que indicava risco moderado. Segundo o relatório, essa escolha foi inadequada diante dos dados recebidos, e o nível de criticidade deveria ter sido ajustado para “vermelho”, uma medida que demandaria ações de segurança mais proativas e preventivas.
O documento afirma que a decisão de manter o nível de risco em “laranja” contribuiu diretamente para que a segurança do Planalto fosse mantida em um estado de alerta insuficiente, deixando os agentes despreparados para a onda de violência que se seguiu. Essa avaliação equivocada de criticidade revelou uma falha grave na gestão de riscos e no alinhamento com a realidade dos fatos, demonstrando uma subestimação da ameaça, que teve consequências irreversíveis para a segurança do palácio.
Inação das lideranças e ausência de uma resposta coordenada
Entre os responsáveis pelas falhas na resposta do GSI, o relatório menciona o general Carlos José Russo Assunção Penteado, secretário-executivo do GSI, também nomeado durante a gestão de Augusto Heleno. Sua função incluía a supervisão da implementação do Plano Escudo e o ajuste das estratégias de defesa conforme o cenário evoluísse. Mesmo com informações que indicavam uma concentração massiva de manifestantes em Brasília e o aumento da retórica agressiva, Penteado não mobilizou tropas adicionais nem ordenou o reposicionamento de forças para fortalecer as defesas.
Outro nome destacado é o do general Carlos Feitosa Rodrigues, à frente da Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial. Esse setor tem como missão garantir a integridade física das instalações presidenciais e das autoridades. O relatório destaca que Feitosa também não revisou a criticidade dos eventos, mantendo a classificação em “laranja” e deixando de tomar medidas preventivas. Sua decisão de não elevar o nível de segurança demonstrou uma falha em reconhecer a gravidade dos atos e expôs o Palácio do Planalto a uma situação de fragilidade.
O coronel André Luiz Garcia Furtado, coordenador-geral de Segurança de Instalações do GSI, é mais um nome mencionado no relatório por não ter solicitado reforços e por não ajustar as medidas de proteção diante do aumento da ameaça. Sua falta de ação consolidou as defesas insuficientes do palácio, permitindo que os manifestantes ultrapassassem as barreiras de segurança. Essas omissões por parte de agentes em posições de liderança refletem, conforme o documento, uma falha sistêmica e coordenada que enfraqueceu a segurança do Palácio do Planalto.
Reestruturação sob Capelli: as exonerações e tentativas de reorganização
Após os ataques de 8 de janeiro, o então interventor Ricardo Capelli foi nomeado para assumir interinamente o comando do GSI e reorganizar a segurança presidencial. Capelli exonerou Saulo Moura da Cunha, Alexandre Santos de Amorim, Carlos José Russo Assunção Penteado e outros agentes ligados à gestão de Augusto Heleno, em um movimento para desarticular a rede de influência interna que, segundo o relatório, comprometeu a segurança da Presidência. Na ocasião, Capelli justificou as exonerações como medidas essenciais para restaurar a ordem no GSI e sanar as falhas estruturais deixadas pela gestão anterior.
Desde então, o GSI passou por uma série de mudanças focadas em reestruturar o fluxo de inteligência e garantir que o sistema de segurança presidencial seja mais robusto e capaz de lidar com cenários de crise. A gestão de Capelli trouxe um foco maior na coordenação de informações e no alinhamento entre os setores, buscando evitar que novas falhas coloquem em risco a integridade das instituições brasileiras.
As falhas destacadas no relatório PET 11.119 DF evidenciam uma série de omissões no fluxo de informações de inteligência e na execução das medidas de segurança, implicando diretamente a gestão de Gonçalves Dias e as nomeações oriundas da administração de Augusto Heleno. O documento elaborado pela PF também revela uma perspectiva inédita sobre as falhas que abriram espaço para a violência de 8 de janeiro e reforça a importância de revisar a gestão de inteligência e proteção das instituições democráticas do país.