Henrique Rodrigues, jornalista e professor de Literatura, especialista em Estudos Brasileiros pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), repórter e editor de colunas e artigos de Opinião e também correspondente da Revista Fórum na Europa, escreveu um texto profundamente adequado para uma reflexão do Brasil no início do ano.
Nesta segunda-feira, em artigo intitulado "Há um ano Brasil fechava a lata do lixo da História e voltava à normalidade", ele retrata que a saúde mental, a civilidade e o tamanho do Brasil no mundo agradecem os 365 dias (2023) sem o esgoto brotar do cerne da República.
O texto de Henrique Rodrigues faz lembrar o sociólogo Gilberto Freyre, que no livro "O outro Brasil" significava e expressava a esperança dele em ver o País se desenvolver muito graças à ação de todos os brasileiros, de todas as classes sociais,... Um Brasil em que todos tenham trabalho, deveres, direitos e voz!
Em forma de poema, Freyre escreveu: Eu ouço as vozes/ eu vejo as cores/ eu sinto os passos/ de outro Brasil que vem aí/ mais tropical/ mais fraternal/ mais brasileiro.
Agora, deleite-se com o texto do jornalista e professor Henrique:
Há um ano Brasil fechava a lata do lixo da História e voltava à normalidade
Faz um ano. Naquele 1° de janeiro de 2023, o Brasil fechava a tampa da lata de lixo da História e enterrava a mais vexatória, humilhante e desastrosa de suas páginas. Um sujeito vulgar, absolutamente incapaz e moralmente desajustado desocupava o posto máximo de liderança da República e voltaria para os esgotos para seguir postando suas mentiras e insanidades. O preço ainda é alto, já que uma fração imensa do povo entrou na psicose torpe da gritaria e da reverberação de falsidades.
Quatro anos de uma baixaria inimaginável, de escatologia em estado bruto. Um naufrágio socioeconômico sem precedentes fez o país empobrecer numa velocidade jamais vista. No fim de um mandato caótico, 49 milhões de miseráveis (23% da população), 125 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar (59% dos habitantes) e uma inflação pornográfica que bateu o recorde do índice desde a criação do plano real, há 30 anos: 11,3% no acumulado de 12 meses aferido no primeiro semestre de 2022. Desemprego explodindo, nas alturas. Fomos parar na 13ª economia do planeta.
Nos primeiros dias de seu mandato, o incivilizado e bárbaro extremista postou um vídeo de uma bandinha de carnaval em que um homem urinava no rosto de outro, que se requebrava fazendo uma performance com conotação sexual, em cima de um ponto de táxi de São Paulo. O chefe de Estado brasileiro, presumivelmente dando as contas oficiais para um dos filhos aloprados administrar, perguntava “o que é golden shower”, numa referência a uma prática sexual escatológica. O Brasil tinha um novo presidente havia uns pares de semana e já tinha se tornado isso.
O tempo passou e vieram as mortes pelo discurso inacreditável e doentio antivacina, durante a pandemia, as frases desumanas como “eu não sou coveiro” e “e daí?”, além de imitações monstruosas de gente morrendo por falta de ar provocada pela Covid. Uma besta-fera descontrolada estava dentro do Palácio.
No mundo, a vergonha era interminável. Capitaneado por um abobalhado, o Itamaraty falava de “cruzada pelos cristãos” e de “covidismo”. Nas reuniões de Estado e de chanceleres, o constrangimento era insuportável. Em Davos, na Suíça, durante o Fórum Econômico Mundial, o sujeito desajustado que se apoderou da faixa ofereceu (literalmente) a Amazônia para um ex-presidente dos EUA. A cena foi tão grotesca que até o gringo comentou, em algumas entrevistas, que ficou desconcertado na hora.
Arruaceiros montados em motocicletas cortavam o Brasil empobrecido (com dinheiro público) enaltecendo armas de fogo. Abestalhados faziam cosplay de militar e colocavam fardas camufladas e coturnos para prestar continência ao "ídolo". Cena de hospício. Houve encontros oficiais com pastores estelionatários, padres fakes de igrejas inventadas, curandeiros oferecendo cipó como solução para o coronavírus dentro do Ministério da Ciência e Tecnologia. Um general que não sabia a diferença entre as siglas de Amazonas e Amapá foi colocado na Saúde para “conter” a pandemia e deixou a falta de oxigênio em Manaus, o que resultou em centenas de mortes. E essa gente tiravam sarro dos dados e da monstruosidade.
Houve muita coisa além disso. Muita coisa. Houve desesperança, desespero e sentimento de impotência. Mas o dia da partida chegou e a festa foi bonita. Hoje, neste 1° de janeiro de 2024, a despedida inesquecível completou um ano. Um ano que lacramos a lata do lixo da História, o inferno de imoralidade onde essa figura deverá permanecer por toda a eternidade.
Há muito a se fazer pelo Brasil, mas é sempre bom lembrarmos do dia que despachamos uma maldição que quase custou a própria existência da nação.