Investigação da Polícia Federal (PF) aponta que há indícios de que Jair Bolsonaro (PL)
e seus aliados atuavam para desviar presentes recebidos por ele ou por
autoridades brasileiras em seu nome, de maneira a vendê-los e repassar
os valores obtidos ao ex-presidente.
São citados como parte deste esquema dois ex-ajudante de ordens de Bolsonaro –tenente-coronel Mauro Cid
e tenente Osmar Crivelatti–, o pai de Cid, general Mauro Lourena Cid; o
assessor de Bolsonaro Marcelo Camara; e o então chefe do Gabinete de
Documentação Histórica da Presidência, Marcelo da Silva Vieira.
As
hipóteses criminais levantadas pela PF apontam que eles “uniram-se, com
unidade de desígnios, com o objetivo de desviar, em proveito do
ex-Presidente JAIR MESSIAS BOLSONARO, presentes (ao menos três conjuntos
de alto valor patrimonial) por ele recebidos em razão de seu cargo, ou
por autoridades brasileiras em seu nome, entregues por autoridades
estrangeiras.”
“Após serem apropriados pelo ex-Presidente da
República, formalmente ou não, os bens foram levados, de forma oculta,
para os Estados Unidos da América, na data de 30 de dezembro de 2022,
por meio de avião presidencial e encaminhados para lojas especializadas
nos estados da Flórida, Nova Iorque e Pensilvânia, para serem avaliados e
submetidos à alienação, por meio de leilões e/ou venda direta”, diz o
relatório da PF.
Fontes da PF dizem que é pouco crível que venda de joias ocorresse à revelia de Bolsonaro
Ainda
segundo a PF, os recursos adquiridos com a venda ficavam “acautelados e
sob responsabilidade do general da reserva MAURO CESAR LOURENA CID, pai
de
MAURO CESAR BARBOSA CID, e posteriormente transferidos, em dinheiro espécie, para a posse de JAIR MESSIAS BOLSONARO.”
O
uso de dinheiro em espécie, manuseado por pessoas próximas a Bolsonaro,
sem utilização do sistema bancário formal, teria como objetivo ocultar a
origem e a propriedade dos valores que ingressavam no patrimônio
pessoal do ex-presidente.
O pai de Mauro Cid, Mauro Lourena Cid,
teria atuado como pessoa responsável por guardar os objetos dados como
presentes oficiais de autoridades estrangeiras a Bolsonaro em sua
residência, na cidade de Miami. Junto com seu filho, ele teria
encaminhado os objetos para os estabelecimentos comerciais
especializados, para que fossem vendidos ou leiloados.
Além disso,
também seria Mauro Cid pai o responsável por receber os recursos
decorrentes das vendas destes bens, em nome de Jair Bolsonaro.
Principais pontos da investigação
A decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes destaca os principais pontos da investigação da PF:
- Há
possibilidade de que o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica
(GADH) da Presidência da República tenha sido utilizado para desviar,
para o acervo privado do ex-Presidente da República, presentes de alto
valor, mediante determinação de JAIR BOLSONARO;
- Há indícios de
que alguns presentes recebidos por JAIR MESSIAS BOLSONARO em razão do
cargo teriam sido desviados sem sequer terem sido submetidos à avaliação
da GADH;
- Há indícios de que JAIR MESSIAS BOLSONARO e sua equipe
utilizaram o avião presidencial, no dia 30/12/2022, para evadir do país
os bens de alto valor desviados, levando-os para os Estados Unidos;
- Os
referidos bens teriam sido encaminhados para lojas especializadas em
venda e em leilão de objetos e joias de alto valor, situadas nas cidades
de Miami/FL, Nova Iorque/NY e
Willow Grove/PA.
- Os recursos
decorrentes da venda desses bens seriam encaminhados em espécie para
JAIR MESSIAS BOLSONARO, evitando, de forma deliberada, não passar pelos
mecanismos de controle e pelo sistema financeiro formal, possivelmente
para evitar o rastreamento pelas autoridades competentes.
Mauro Cid sobre presentes: “Quanto menos movimentação em conta, melhor”
Quais objetos foram desviados?
Conforme
o relatório: “A investigação identificou, portanto, até o momento, que
esse modus operandi foi utilizado para retirar do país pelo menos quatro
conjuntos de bens recebidos pelo ex-Presidente da República em viagens
internacionais, na condição de chefe de Estado”.
Estão elencados abaixo os quatro conjuntos:
- Conjunto
de itens masculinos da marca Chopard (chamado de “kit ouro rosé”)
contendo uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário árabe
(“masbaha”) e um relógio recebido pelo então ministro de Minas e
Energia, Bento Albuquerque, após viagem a Arábia Saudita, em outubro de
2021;
- Kit de joias (chamado de “kit ouro branco”), contendo um
anel, abotoaduras, um rosário islâmico (“masbaha”) e um relógio da marca
Rolex, de ouro branco, entregue ao ex-Presidente da República JAIR
BOLSONARO, quando de sua visita oficial à Arábia Saudita em outubro de
2019;
- Uma escultura de um barco dourado, sem identificação de
procedência até o presente momento, e uma escultura de uma palmeira
dourada, entregue ao exPresidente, na data de 16 de novembro de 2021,
quando de sua participação oficial no Seminário Empresarial da Câmara de
Comércio Árabe-Brasileira, ocorrido na cidade de Manama, no Barhein;
- Um
relógio da marca Patek Philippe, possivelmente recebido pelo
ex-Presidente da República JAIR BOLSONARO, quando de sua visita oficial
ao Reino do Bahrein em 16 de novembro de 2021.
Operação para resgatar os bens
A
investigação da Polícia Federal ainda demonstra que, após o início da
divulgação de matérias jornalísticas relatando o recebimento de joias da
Arábia Saudita por parte do governo de Jair Bolsonaro, os envolvidos
“estruturaram uma verdadeira operação para resgatar os bens, que estavam
em estabelecimentos comerciais nos Estados Unidos, para retornarem ao
Brasil e serem devolvidos ao governo brasileiro, tudo para cumprir uma
decisão exarada pelo Tribunal de Contas da União”.
- O conjunto
de itens masculino da marca Chopard (“kit ouro rosé”), teria sido
resgatado do estabelecimento FORTUNA AUCTIONS, localizado no estado de
Nova York e encaminhado, por meio do serviço de transporte de
mercadorias da empresa UPS, para um endereço na cidade de Orlando/FL,
local em que o ex-Presidente JAIR BOLSONARO estava hospedado. Em
seguida, o kit foi transportado para o Brasil e entregue, na data de 24
de março de 2023, na agência da Caixa Econômica Federal, na cidade de
Brasilia/DF;
- O segundo kit de joias (“kit ouro branco” formado
por anel, abotoaduras, um rosário islâmico), exceto o relógio da marca
Rolex de ouro branco, foi recuperado de um estabelecimento localizado na
cidade de Miami/FL. MAURO CESAR CID desembarcou no dia 27 de março de
2023, pela manhã, na cidade de Fort Lauderdale/FL, pegou o kit de joias e
no final do mesmo dia 27 retornou ao Brasil. Ao chegar no aeroporto da
cidade de Brasilia/DF, MAURO CID entregou o kit de joias a OSMAR
CRIVELATTI, assessor do ex-Presidente da República JAIR BOLSONARO. Já o
relógio da marca Rolex, de ouro branco, que compunha o mesmo kit, teria
sido recuperado do estabelecimento Precision Watches, localizado na
cidade de Willow Grove, Pensilvânia/EUA, por uma pessoa ainda não
identificada. O conjunto foi devolvido na data de 04 de abril de 2023,
em uma agência da Caixa Econômica Federal;
- O conjunto formado
por uma escultura de um barco dourado e uma escultura de uma palmeira
dourada foi encaminhado para diversas lojas especializadas nos Estados
Unidos para avaliação e tentativa de venda, no entanto, por não ter o
valor monetário esperado pelos investigados, tornou-se frustrada as
tentativas de alienação, ficando os bens sob guarda de MAURO CESAR
LOURENA CID;
- O relógio da marca Patek Philippe Calatrava foi
levado para os Estados Unidos e vendido para o estabelecimento comercial
PRECISION WATCHES na data de 13 de junho de 2022, juntamente com o
relógio Rolex do segundo kit, pelo montante de US$ 68.000,00. Até o
momento, não há indícios de que tenha sido recuperado pelos
investigados.
O que diz a defesa de Bolsonaro
O advogado Fábio Wajngarten, que atua na defesa de Jair Bolsonaro, disse à CNN
que ele e seus colegas do time jurídico do ex-presidente não sabiam da
operação de recompra de um relógio Rolex nos Estados Unidos.
De
acordo com Wajngarten, que foi secretário de comunicação do governo
Bolsonaro, ele estava dando uma orientação jurídica a Cid sobre como
proceder, mas desconhecia o paradeiro das joias.
“A defesa não
sabia. Eu estava ali para orientá-los a se antecipar a uma decisão que o
TCU tomaria, pegar as joias e entregar. Só isso. Eu não sabia onde elas
estavam”, afirmou à CNN.
Questionado o motivo de
não ter perguntado o paradeiro das joias, Wajngarten afirmou que não
cabia a ele essa pergunta naquele momento.
A CNN aguarda posicionamentos dos demais envolvidos.