Nesta sexta-feira (23), durante ou após evento político, Bolsonaro e seus assessores divulgaram o PIX do ex-presidente para arrecadar fundos da população, mesmo sabendo-se que o político derrotado nas últimas eleições declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) possuir R$ 2,3 milhões em bens e um salário de cerca de R$ 86,5 mil - que ultrapassa os R$ 100 mil quando somado aos valores recebidos pela esposa, Michelle Bolsonaro. A arrecadação já ganhou adesões.
A vigente Constituição Federal(CF) consagra os princípios da livre iniciativa, da propriedade privada, da livre concorrência e, por fim, do papel do Estado como interventor na economia, como se denota do art. 170, conforme salienta o jurista José Afonso da Silva, em seu Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros Editores, 2001, p. 777.
Em referência ao PIX, por se tratar de uma criação estritamente econômica, com prevalência para os interesses coletivos, o Estado, como agente econômico-financeiro, tem influência direta na exploração e na fiscalização do serviço-atividade, em atenção, claro, ao interesse coletivo, na forma prevista no art. 173, da CF.
Em atenção à Carta Magna, o Banco Central do Brasil e o Conselho Monetário Nacional, de forma conjunta, exercem competência normativa para expedir regras de controle e de fiscalização no uso do PIX, que, por exemplo, não pode - e nem poderá -servir a interesses criminosos e nem para desvio de finalidade, tudo em atenção à legitimidade à garantia dos interesses coletivos.
Ao divulgar o PIX, Bolsonaro pretende, primeiro, passar-se por pessoa com dificuldades financeiras; e, segundo, arrecadar recursos financeiros da coletividade para fazer proselitismo político e pagar possíveis condenações oriundas da Justiça.
Evidentemente, doa a quem quer! É um ato personalíssimo de vontade própria. No entanto, a coletividade não poderá ser enganada na sua boa-fé. Porque nenhum direito é absoluto, à exceção do direito à vida.
Há quem diga que a arrecadação por PIX divulgada por Bolsonaro no sentido de sensibilizar a coletividade para pagar as contas dele, ex-presidente, trata-se de um ESTELIONATO SENTIMENTAL, que seria uma espécie de "fetiche da mercadoria", como adverte Karl Marx, em sua famosa obra “Capital”, analogicamente.
De onde nasceu o ESTELIONATO SENTIMENTAL?
Nasceu de uma relação com abuso da confiança. Ou seja, auferir vantagem indevida decorrente de uma relação de afeto, de intimidade, com gravíssima violação à boa-fé objetiva e coletiva. No caso analisado, o ex-presidente estaria abusando da boa-fé do "gado" para se locupletar, vez que tem patrimônio que refoge, que retrocede às pessoas comuns.
Adornando o texto, para Aristóteles, o homem é como a abelha; um animal gregário, social. Em sociedade existe no íntimo humano um desejo, uma vontade pela companhia, pela ajuda, pelo interesse recíproco para compartilhar,... Porém, não é dado a ninguém aproveitar-se da vontade de outrem para auferir vantagens indevidas, ainda que lícitas. Isso é estelionato!
O estelionato sentimental, inclusive, é objeto de inúmeras decisões judiciais, entre as quais podemos a proferida pela 2a Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), no Acórdão de número 1364563,aplicável aqui no caso vertente por analogia do Direito de Família como fonte no Direito Penal, por fato novo juridicamente relevante.
Ademais, com um patrimônio invejável, Bolsonaro poderá, sim, ser enquadrado por estelionato previsto no art. 171, do Código Penal , segundo o qual é crime induzir ou manter alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.
O artifício, o ardil e a fraude incentivados e dissimulados por Bolsonaro são gritantes, à luz sol!
O estelionato sentimental - ainda que oriundo do Direito de Família de forma supletiva para o caso do PIX - com repercussões no Direito Penal, tornou-se mais comum com o avanço da tecnologia e da facilidade de conexão por meio das redes sociais e aplicativos de relacionamentos. E uma de suas principais características é a solicitação de recursos financeiros, usando-se os sentimentos das pessoas frágeis ou não, como é o caso do "gado choroso" de Bolsonaro.
Estelionato, em suma, seja para os efeitos cíveis ou penais, é enganar, ludibriar, falsear, induzir em erro, esconder a verdade, burlar, mentir, trapacear, tapear, engabelar,...
Finalmente, em diversas oportunidades Bolsonaro foi considerado um "estelionatário político". Quando, por exemplo, vazou um "plano macabro" sobre congelamento dos salários e aposentadorias, devastação do serviço público e privatização selvagem, inclusive da saúde e da educação. Estelionato porque não prometeu isso na campanha eleitoral de 2018.