Recentemente, a professora Iraildes Caldas lançou, pela Editora da Universidade Federal do Amazonas (2023), a coletânea Agroecologia e transferência de tecnologias sociais nas comunidades do baixo amazonas: um olhar para as práticas sociais das mulheres da floresta.
São escritos como estes que inscrevem mulheres de toda Amazônia nos processos de trocas de conhecimentos e de experiências de cuidado e proteção do território, de defesa da vida e da dignidade de todos os povos da Amazônia tendo como protagonistas as mulheres nos seus mais variados rostos e perspectivas.
A leitura desta coletânea nos faz entender que a rede de trocas é imensa e se compara a uma ‘grande ciranda’ que recolhe para a ‘dança da vida’ mulheres que recolhem em si o corpo e os rostos de tantas outras mulheres.
Nesse breve artigo, nomeamos algumas mulheres que representam categorias e grupos inteiros que se reconhecem Guardiãs da Floresta e defensoras da Casa Comum. É uma forma singela de nomear e homenagear todas as mulheres da Amazônia nesse conjunto de mulheres.
Na ciranda de todas as mulheres, quem começa a dança é Alessandra Korap Munduruku que recebeu o Prêmio Robert F. Kennedy de Direitos Humanos por sua atuação como ativista em defesa dos direitos indígenas e pela preservação ambiental. Alessandra levanta sua voz com bravura e coragem e junto com ela, entram na dança todas as mulheres indígenas na luta organizada em defesa de seus territórios.
As mulheres indígenas também estão nas cidades. Mais de 46% dos Povos Indígenas do Brasil vivem nas cidades. Marcivana Sateré, auditora do Sínodo da Amazônia, com habilidade e muita sabedoria vem tecendo fios de esperança sobre territorialidade e o direito à cidade, como lugar de pertencimento e identidade dos povos indígenas. Somam-se a ela, na grande ciranda, multidões de mulheres indígenas que vivem nas cidades da Amazônia e reafirmam que o espaço urbano também é território indígena que precisa ser respeitado, amado e defendido na Amazônia e recordam ainda que “o lugar da mulher e é onde ela quiser estar”.
Lá do Tapajós entram na roda cirandeiras Maria José Caetano Maitapu, Auricélia Arapium e Ivete Bastos, camponesas extrativistas que defendem a consulta prévia às comunidades para o futuro da Resex Tapajós-Arapiuns, no Pará, e por isso estão ameaçadas de morte. Somam-se a elas todas as camponesas e extrativistas que sofrem ameaças e martírio por teimar em guardar a floresta e defender a Casa Comum.
Do coração de Anapu e do mais alto dos céus, vela por elas a irmã Dorothy Mae Stang e todas as mulheres mártires da luta e da caminhada na Amazônia.
Do noroeste da Amazônia Brasileira entra na ciranda de todas as mulheres a luta de Maria Petronila Neto, coordenadora da Comissão Pastoral da Terra de Rondônia e também auditora do Sínodo da Amazônia. Petrô entra na roda com todas as mulheres da agricultura familiar, da agroecologia e da luta pela terra que lutam todos os dias contra as queimadas, o latifúndio, o agronegócio gerador dos monocultivos e dos conflitos socioambientais.
Desde 1975 a Igreja Católica no Brasil assumiu a luta pela terra que se transformou em defesa dos direitos humanos, da floresta e da Casa Comum.
Nas fronteiras internacionais, entra na grande ciranda as mulheres na política. É Joênia Wapichana, a primeira Deputada Federal indígena quem convoca as mulheres de todas as etnias para entrar na roda da política em defesa do território e da Casa Comum e recorda que a presidência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) é o espaço político da defesa de todos os povos e seus territórios.
É o espaço de resistência ao genocídio, ao etnocídio e ao terricídio. Tem o reforço que vem de outra mulher valente da Amazônia maranhense: Sônia Guajajara também entra na roda e reforça a luta com o Ministério dos Povos Indígenas.
Da Amazônia Peruana Yesica Patiachi, líder do povo Harakmbut, professora bilíngue de Puerto Maldonado, também auditora do Sínodo da Amazônia entra na roda e convida todas as jovens mulheres corajosas para denunciar ao mundo todas as violações aos Direitos Humanos sofridas por causa da mineração, da exploração do petróleo, das madeireiras e de todas as formas de destruição da Casa Comum.
Nos microfones internacionais, soma-se a ela outras vozes de denúncia: Txai Suruí, jovem indígena brasileira do Povo Suruí (Rondônia) que discursou na abertura da COP26; Anitalia Claxi Pijachi Kuyuedo, promotora da identidade cultural e da educação bilíngue do Povo Indígena Huitoto Ocaina (Colômbia); a religiosa Gloria Liliana Franco Echeverri, presidente da Conferência Latinoamericana de Religiosos e a antropóloga Tânia Ávila Meneses,
da Amazônia Boliviana.. Junto com elas, fazem coro as vozes de todas as
mulheres guardiãs da floresta e defensoras da casa comum.
A professora Ima Célia Guimarães Vieira da Universidade
Federal do Pará, a mais importante ecóloga da Amazônia também vem para
cirandar e convida para a roda todas as intelectuais da academia e do
povo numa soma de conhecimento que reconhece todos os saberes na defesa
da floresta. Do Sul do Pará, a jornalista Eliane Brum,
diretamente “do centro do mundo” empresta sua voz e sua escrita clara,
direta, objetiva e crítica para somar ao coro das denúncias das
injustiças na Amazônia. E traz com ela todas as jornalistas que dão voz e
vez às mulheres da Amazônia.
Novamente de Roraima, Elisangela Dias Barbosa e Gilmara Fernandes Ribeiro, missionárias do Conselho Indigenista Missionário (Cimi Regional Norte I) convidam para a ciranda as mulheres que ensinam os cantos e danças Parixara que carregam a força da ancestralidade e da luta por direitos e reconhecimento.
Lá do Acre, quem convoca todas as mulheres é a coordenadora da Cáritas, Aurinete Souza Brasil Freire na luta e defesa dos migrantes e refugiados. Responde ao seu chamado a Edilaine Guarini de Oliveira da articulação da Cáritas do Noroeste e a Irmã Valdiza Carvalho do Serviço Pastoral dos Migrantes.
Todas as mulheres migrantes e refugiadas respondem à convocação e entram na ciranda das Guardiãs da Floresta e defensoras da Casa Comum.
Do Amapá entra na ciranda a psicóloga e mestre em fronteiras Talita Pontes que integra o Núcleo Igreja e Fronteiras da Rede Eclesial Pan Amazônica (REPAM). Na mesma roda entra Marie Henriqueta Ferreira Cavalcante, Professora, Defensora de Direitos Humanos Coordenadora da Comissão Justiça e Paz-CNBB N2 Pará- Amapá; Verônica Rubi de Tabatinga, diocese do Alto Solimões responde a convocação e faz entrar na roda a irmã Roselei Bertoldo, secretária do Regional Norte 1 da CNBB para somar na luta de enfrentamento à violência contra as mulheres e ao tráfico humano, especialmente de mulheres para fins de exploração sexual comercial na Amazônia.
Junto com elas seguem na ciranda todas as mulheres que se somam na defesa da vida e da dignidade de todas as mulheres da Amazônia. Lá de Brasília, mas, com os pés e o coração no território, quem dá o compasso da Ciranda de todas as mulheres Guardiãs da Floresta e defensoras da Casa Comum é a equipe da REPAM que nos anima e nos fortalece para seguir na dança com a Irmã Maria Irene Lopes,a Jéssica Castro, a Maria José Lisboa, a Ana Caroline Lira, a Dorismeire Vasconcelos e a Arlete Gomes.
Com elas, nossa ciranda de mulheres da Amazônia fica mais diversa e bonita. Com elas, inscrevemos todas as mulheres de luta e caminhada no território e nos recordam que é tempo ainda de amar sem fronteiras, do amor ser a bandeira de união do mundo inteiro.
Ainda creio que essas flores separadas são flores perfumadas em um só canteiro. É tempo ainda de ver que a esperança não é só uma dança de fumaça pelo ar.
Ainda sonho que o sol da nova era, coroando a grande espera, seja a luz de um novo olhar. Eu canto forte essa canção que encerra a comunhão da terra pela soma dos quintais, mas pergunto ao Criador que fez a gente, por que assim tão diferentes para sermos iguais?
* Márcia Oliveira é professora da Universidade Federal de Roraima e assessora da REPAM-Brasil