Artífice do impeachment por "pedaladas fiscais" que levou à queda da presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2016, Michel Temer (MDB) articula um novo golpe das catacumbas da burguesia paulista e une os governadores Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos), de São Paulo; Ratinho Jr. (PSD), do Paraná; Ronaldo Caiado (União), de Goiás; e Romeu Zema (Novo-MG), de Minas Gerais; em torno da ressureição do antigo projeto da terceira via anti-Lula para as eleições presidenciais de 2026.
O movimento ainda passa pelo Senado e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que articulam um substitutivo ao PL da Anistia, única bandeira da base bolsonarista no Congresso Nacional, que deve ser enterrada nos próximos dias. Além disso, conta com o apoio da Faria Lima e da mídia liberal.
A mensagem foi enviada quando já estava em marcha uma negociação entre o STF e Rodrigo Pacheco, do PSD de Gilberto Kassab, para elaborar uma emenda à Lei de Golpe de Estado que abrandaria as penas dos condenados no 8 de Janeiro e, ao mesmo tempo, deve impor punição mais severa aos articuladores de golpes de Estado - entenda-se Jair Bolsonaro (PL) e o núcleo crucial da organização golpista, que se encontram no banco dos réus.
Aos 84 anos, o cacique do MDB é um dos poucos políticos que exercem influência direta sobre Moraes. No ano passado, o ministro chegou a declarar que "nenhum presidente se equipara com o presidente Michel Temer na qualidade de diálogo com todos os Poderes".
"Foi um grande presidente, presidente sério, presidente trabalhador, um presidente que transita, transitava como presidente e continua transitando pelos Três Poderes", ressaltou Moraes, usando o verbo no presente para definir o espaço político do emedebista.
"Movimento Brasil"
A emenda tratada no STF traria duas soluções para a terceira via. Bolsonaro iria para a prisão (ou ficaria em um hospital) e pararia de "atrapalhar" - como definiu o Estadão, porta-voz da Faria Lima, no editorial de sábado (12). Dessa forma, o "mito" pode ungir Tarcísio de Freitas como seu sucessor e herdeiro dos votos de eleitores radicais anti-Lula, que o Centrão e a mídia liberal não controlam mais.
Nas conversas que teve com Tarcísio, Zema, Caiado, Ratinho e Kassab, Temer falou da importância de unificar a direita - sem Bolsonaro - para fazer o enfrentamento a Lula.
A proposta foi batizada por ele como "Movimento Brasil", na prática uma releitura do programa Uma Ponte para o Futuro, criado nas hostes do MDB em 2015 baseado em uma série de preceitos neoliberais para destruir projetos sociais e entregar as riquezas no país, como o petróleo, nas mãos dos financistas. Logo após o impeachment, Temer chegou a admitir que o golpe contra Dilma se deu porque a então presidenta se recusou a adotar a cartilha.
No novo levante, Temer propôs aos governadores que, após o descarte de Bolsonaro, eles sigam com suas pré-candidaturas à Presidência e seria estipulado um prazo para definir quem encabeçaria a chapa, baseado em pesquisas. Tarcísio é o favorito da Terceira Via e, em especial, da Faria Lima em razão da privataria selvagem imposta por ele em São Paulo.
Implosão no Congresso
Em outra frente, Temer escalou um amigo e aliado histórico como porta-voz para implodir o PL e a base bolsonarista que se articulam em torno do projeto da Anistia.
Representante lendário da burguesia paulista, o deputado Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP) iniciou um motim dentro do PL. Após convencer 8 colegas da sigla a traírem Bolsonaro e votarem a favor do PL 769/2024, que cria 160 cargos no Supremo Tribunal Federal (STF) e foi apelidado de "PL do Moraes" pelo guru Silas Malafaia, Rodrigues se recusou a assinar a proposta de regime de urgência para o PL da Anistia.
"O texto atual do projeto de lei não distingue com clareza entre autores, intelectuais e executores de meros participantes, tratando de forma igual condutas gravemente distintas", leu em seu discurso no plenário, em linha com a proposta negociada por Temer e pelo Senado de impor penas rígidas aos articuladores de golpe e abrandar a punição às pessoas manipuladas por eles, colocando em xeque os planos de Bolsonaro.
Rodrigues ainda rebateu os ataques de Silas Malafaia, que o classificou como "traíra" e "amissíssimo de Moraes".
"Lamento que no momento em que o país clama por seriedade e equilíbrio, ele [Malafaia] opte por adotar um discurso que contribui para o acirramento dos ânimos", leu Rodrigues, novamente alinhado com o discurso de "pacificação" do amigo Temer.
"Caso deseje participar ativamente do debate político e confrontar parlamentares, sugiro que o faça dentro das regras democráticas, colocando seu nome à disposição da população, por meio de processo eleitoral, pleiteando, assim, uma cadeira nesta Casa. Não elegeu nem o teu vereador na capital”, emendou, com luva de pelica.
Incumbido por Temer de implodir a base bolsonarista na Câmara, Rodrigues ainda contará com o apoio involuntário do governo, que pretende punir deputados de partidos do Centrão com assento em ministérios que votaram a favor da urgência da Anistia.
Com pressão dos dois lados e colocada por Hugo Motta (Republicanos-PB) no final da fila das mais de mil propostas que se encontram em regime de urgência, a bandeira bolsonarista deve perder força e apoio parlamentar nas próximas semanas.
O novo smoking do velho projeto burguês
Na prática, Temer tenta reeditar, juntamente com o fiel escudeiro Gilberto Kassab, o projeto da terceira via, que se inviabilizou em 2022 devido à polarização política entre Jair Bolsonaro (PL) e Lula, que aglutinou boa parte dessa via na Frente Ampla.
O plano de Michel Temer já teria a adesão de uma parcela dos principais partidos do Centrão: MDB, PSD, Republicanos e União Brasil, além de uma parte do Novo, que virá a reboque de Zema e da pauta ultraliberal.
Além disso, conta com a simpatia da Faria Lima, que tem em Tarcísio uma das principais apostas para aprofundar as privatizações e a agenda neoliberal, onde orbita também a mídia liberal.
Temer ainda aglutina uma parcela considerável da burguesia paulista e conta com apoio de militares na cúpula das Forças Armadas, onde mantém forte interlocução a partir do general Sérgio Etchegoyen, que articulou com Eduardo Villas Bôas o apoio da caserna ao golpe de 2016.
Embora muitos acreditem que o ex-presidente habite as trevas após deixar a linha de frente da política, Michel Temer segue atuando na realpolitik em torno dos interesses da burguesia brasileira e dos ditames transnacionais do sistema financeiro que cultivam uma sanha sanguinária para retomar o poder em 2026 e sugar, até a última gota, as riquezas do Brasil.