Recentemente, estabeleceu-se uma polêmica em torno da participação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), nas investigações sobre a tentativa de golpe de estado e, por consequência, a participação do ministro como vítima de um crime de homicídio tentado.
Inconformado com a presença do ministro presidindo as investigações no âmbito do STF, o ex-presidente Jair Bolsonaro apresentou recurso para que a Corte apreciasse um possível impedimento ou suspeição de Alexandre de Moraes, que, segundo o inconformado político, estaria como vítima no respectivo processo-crime-investigatório.
Antes de tudo, os crimes contra o Estado Democrático de Direito - já incluídos no Código Penal - visam a tutela do regime de governo e suas instituições democráticas. É sobre tais crimes que Bolsonaro e seus asseclas respondem coletivamente, inclusive indiciados.
A tentativa de homicídio contra Alexandre de Moraes, o presidente Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin integram outra investigação. Bolsonaro, então, confunde propositalmente as investigações para induzir em erro a sociedade e o próprio Poder Judiciário. O STF, então, como Corte Constitucional, definiu a celeuma para não considerar o ministro impedido ou suspeito.
A Lei nº 14.197, de 1° de setembro de 2021, aprovada no próprio governo Bolsonaro, acrescentou o Título XII, na Parte Especial do Código Penal (CP), com os crimes contra o Estado Democrático de Direito, revogando, por consequência, a Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983 (Lei de Segurança Nacional) e dispositivo do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais).
Como tal, a reforma incluiu os crimes de "Abolição violenta do Estado Democrático de Direito" e "Golpe de Estado", respectivamente. Vejamos:
Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.
Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.
É a primeira vez que em nossa legislação penal se inclui, explicitamente, crime tentado com suas respectivas penas. Antes, tínhamos em vigor apenas definição de crime tentado pela redação do art. 14, II, do CP, caso a conduta do agente seja adequada, perfeitamente, com a consumação do delito.
Assim, agora explicitamente definidos como crime tentado a Abolição violenta do Estado Democrático de Direito e o Golpe de Estado (art. 359-L. e art. 359-M, do CP, respectivamente), estes são os elementos da tentativa: primeiro, o início da execução/consumação; segundo, não consumação por circunstância alheia à vontade do agente; e, terceiro, dolo em relação ao crime consumado.
Para a doutrina e a jurisprudência, o crime tentado (agora definido à saciedade) é o chamado "crime falho", quando se preparam e se fazem atos executórios, porém não se conseguem consumar por circunstâncias alheias à vontade criminosa.
Foi o caso dos crimes tentados de Abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de Golpe de Estado sob o controle de Jair Bolsonaro e os militares do Exército, quando se iniciaram as execuções em 08 de janeiro de 2023.
Juristas incautos não se dão conta de que o crime falho é sinônimo de tentativa perfeita ou acabada.
Agora, no caso específico do ministro Alexandre de Moraes, cuja investigação deve e/ou deverá correr em separado, diferentemente do crime de Abolição e Golpe de Estado, estamos diante de uma Tentativa Branca ou Incruenta (nomenclatura usada pela doutrina), em que a vítima não é atingida e nem sofre ferimentos, podendo ser perfeita ou imperfeita, ou seja, quando o(s) agente(s) criminoso(s) inicia(m) todos os atos executórios, mas não atingem a vítima.
Observem, portanto, que há uma profunda diferença jurídica entre ambos os casos. Tudo para que possamos compreender que os crimes ditos como oficiais (abolição e golpe) merecem uma persecução criminal diferenciada e/ou alheia ao crime tentado contra a vida do ministro da Suprema Corte, que é de natureza pessoal, apesar de ofender, também, a ordem pública.