A proposta de acabar com a escala 6x1 gerou grande repercussão e abriu espaço para reflexões sobre os impactos da alteração. Segundo especialistas, a jornada de trabalho menos exaustiva traz benefícios não apenas para a saúde física e mental dos colaboradores, mas também para a dinâmica familiar, especialmente para quem enfrenta o desafio de conciliar carreira e maternidade.
Ao Correio, a médica especializada em saúde mental e bem-estar corporativo Simone Nascimento explica que esse regime afeta a rotina familiar e a produtividade dos profissionais. "A escala 6x1 impõe uma rotina exaustiva, que reduz o tempo disponível para o convívio familiar. Na nossa sociedade, as mulheres assumem, na maioria das vezes, o cuidado com a casa. Jornadas extensas dificultam o acompanhamento da vida escolar dos filhos, a realização de tarefas de casa e participação em reuniões escolares e atividades extracurriculares."
O equilíbrio entre vida pessoal e profissional é o maior objetivo da proposta de emenda à constituição (PEC) da deputada federal Erika Hilton (PSol-SP), com mudanças na carga horária para criar um ambiente corporativo mais saudável e produtivo. Um estudo publicado no Journal of Occupational Health Psychology, em 2019, mostrou que trabalhadores em escalas 6x1 apresentavam níveis mais altos de fadiga e estresse comparados àqueles com escalas 5x2.
Sobre os benefícios de substituir a escala 6x1 por modelos mais flexíveis, como 5x2 ou 4x3, Simone apontou vantagens para a saúde mental e melhora na produtividade. "Esse formato proporciona mais tempo para atividades pessoais, como convívio familiar, prática de hobbies e dedicação ao autocuidado. Quando estão mais descansadas, [as trabalhadoras] tendem a ser mais focadas, criativas e engajadas. Há menos afastamentos por problemas de saúde".
A neuropsicóloga Valéria Gomes aponta que a falta de dias livres consecutivos reduz o tempo de qualidade que poderia ser dedicado aos filhos, seja para o acompanhamento escolar, seja para momentos importantes de convivência. "O único dia de folga, frequentemente, é utilizado para resolver pendências, acumulando desgaste físico e emocional, o que impede a construção de uma relação mais próxima e significativa com a família", diz.
Para Valéria, a redução da carga de trabalho proporciona tempo necessário para descanso, autocuidado e lazer, essenciais para o equilíbrio emocional. "Com uma rotina mais flexível, as trabalhadoras teriam a oportunidade de fortalecer conexões interpessoais e investir em atividades prazerosas, como assistir a uma série ou praticar exercícios físicos, promovendo uma melhora geral na saúde mental".
Valéria entende que, além da dupla jornada das mães no sistema atual, existe uma pressão social para "produzir sempre que coloca as mulheres em um ciclo de culpa e sensação de inadequação". Ela cita o livro A Sociedade do Cansaço, do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han. O autor discorre sobre como a cultura da produtividade e do desempenho é a principal causa da piora generalizada na saúde física e mental da população, como o aumento de diagnósticos de depressão e ansiedade. Para Han, a cobrança pela "performance máxima" também atinge as inseguranças dos indivíduos que se sentem pressionados a exercer sempre o melhor, mesmo quando cansados e doentes.
"Como explicitado por Byung-Chul Han, vivemos em uma era em que o descanso é desvalorizado e visto como improdutivo, o que contribui para uma geração exausta que busca incessantemente por resultados. Esse cenário é especialmente cruel para as mulheres", argumenta.
"É essencial abandonar a ideia de que 'folga' é sinônimo de improdutividade. As empresas precisam promover treinamentos sobre equilíbrio entre vida pessoal e profissional, além de incentivar o uso de benefícios, como programas de bem-estar. São ações que podem contribuir para uma rotina mais saudável", diz.
A psicóloga e neuropsicóloga Juliana Gebrim aponta efeitos da escala 6x1 na saúde mental de mães trabalhadoras. Para que as funcionárias aproveitem melhor os dias de folga, ela sugere ações de apoio por parte das empresas.
"Iniciativas que estimulem autocuidado, bem-estar, apoio psicológico podem ajudar as funcionárias a utilizar os dias de folga de forma mais produtiva e relaxante. É importante que os gestores respeitem esse tempo livre, evitando o envio de demandas fora do horário de trabalho", explica.
O suor da mãe 6x1
Milhares de mulheres brasileiras precisam conciliar os filhos com as longas horas de trabalho e ainda ter tempo para cuidarem de si. É o caso da Elisângela Souza, de 45 anos, manicure em um salão de beleza e mãe de uma adolscente de 16 anos. Moradora da Ceilândia, ela trabalha seis vezes por semana para sustentar a casa em que vive com a filha. No dia de folga, a manicure confessa que está sempre muito cansada para conseguir acompanhar a rotina da menina e passa o dia dormindo ou resolvendo pendências da casa.
Elisângela explica que a rotina puxada atrapalha a relação com a garota, que precisa ficar sozinha em casa para que a mãe possa trabalhar. "Folgo todas as terças-feiras e dois domingos por mês, mas isso já afeta minha relação com minha filha. Mas, mesmo nos dias em que folgo, preciso colocar as coisas de casa em ordem", conta.
*Estagiárias sob a supervisão de Edla Lula