Em entrevista ao programa Boa Noite 247, o ex-preso político Ivan Seixas, detido e torturado pela ditadura militar aos 16 anos, fez duras críticas ao papel histórico das Forças Armadas no Brasil, destacando as relações de poder e violência que permeiam sua atuação. A entrevista abordou, entre outros temas, a Operação Contragolpe, que vem desvelando conexões entre militares e o planejamento de atos terroristas recentes no país.
Seixas não poupou palavras ao analisar o atual momento político. “Bolsonaro é um delinquente que se elegeu dizendo que mataria 30 mil e, no final, matou 700 e achou pouco”, afirmou. Para ele, a recente prisão de militares envolvidos em conspirações golpistas e terroristas é emblemática, mas apenas o começo de um processo mais amplo de responsabilização e reforma estrutural das Forças Armadas. “Nunca pensei num plano tão bom para desmoralizar o Exército quanto o que Bolsonaro fez”, ironizou, referindo-se à deterioração da imagem institucional promovida pelo ex-presidente.
A conexão com a violência estrutural
Ivan Seixas relembrou momentos marcantes da história brasileira, como a Guerrilha do Araguaia e o papel das Forças Armadas na repressão violenta contra guerrilheiros e populações ribeirinhas e indígenas. “Mataram 69 guerrilheiros e um número incalculável de pessoas do povo. Isso foi um crime contra o nosso país”, denunciou. Ele também destacou a importância de recuperar a memória histórica e expor as raízes golpistas na formação militar brasileira: “Eles têm uma formação anticomunista, entreguista e, acima de tudo, contra o seu próprio povo. Isso precisa mudar.”
A Casa da Morte de Petrópolis, um dos centros de tortura da ditadura militar, foi outro tema abordado. Segundo Seixas, esse local era operado por paraquedistas das forças especiais, em uma operação que tinha ligação direta com a Presidência da República. “Eles matavam, esquartejavam e queimavam. Era um aparato oficial de extermínio”, afirmou, mencionando testemunhos da Comissão Nacional da Verdade, da qual ele participou.
Golpismo: uma marca histórica
Seixas criticou a atuação histórica das Forças Armadas como “tutoras” da República, desde o golpe que instaurou o regime republicano até os dias atuais. “O Brasil foi forjado em golpes. Eles se sentem donos da República, autoproclamados como um ‘poder moderador’ que nem existe constitucionalmente. Essa estrutura precisa ser desmontada.”
Ele também refutou a narrativa de que golpismos recentes, como os atos de 8 de janeiro, seriam episódios isolados ou “lobos solitários”. “São muitos lobos solitários andando juntos. É um trocadilho assintomático. Essa gente nunca foi solitária; são grupos organizados com objetivos claros.”
Expectativas para o futuro
Sobre as prisões recentes de militares e a possível detenção de figuras centrais, como o ex-presidente Jair Bolsonaro e o general Braga Netto, Seixas demonstrou ceticismo e otimismo moderado. Ele acredita que a sociedade brasileira – ou, como colocou, a classe dominante – precisa decidir se irá punir os responsáveis para preservar seus próprios interesses. “Eles precisam mostrar que quem manda aqui são eles, não o Bolsonaro ou Braga Netto. Mas isso vai depender da força das provas reunidas.”
Seixas elogiou o trabalho do ministro Alexandre de Moraes e da Polícia Federal, mas ressaltou a necessidade de seguir uma estratégia jurídica impecável. “Não adianta prender por vingança e depois soltar por falta de provas. Isso seria desastroso para a democracia.”
Reforma necessária
Para o ex-preso político, a solução passa por uma reforma profunda das Forças Armadas, que inclua mudanças no currículo militar, eliminação da visão de “inimigo interno” e a revisão das estruturas de poder herdadas da ditadura. “É preciso um enquadramento constitucional que limite o poder dessa gente. Eles não são donos da República”, enfatizou.
Ao encerrar a entrevista, Seixas fez um apelo pela memória e pela verdade. “Precisamos revisitar a nossa história com coragem. Só assim podemos evitar que os mesmos erros e horrores se repitam.”