Ao longo do tempo, o Conselho Federal de Medicina esteve sempre admitindo que há insegurança sobre como agir o médico em uma solicitação para interromper a gravidez.
O Código de Ética Médica(CEM) dedica capítulo exclusivo à questão do sigilo médico. Porque, como sabemos, medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade. E, como tal, exercida sem discriminação de nenhuma natureza. Na hermenêutica do CEM, o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.
O projeto do aborto bolsonarista, assumido de corpo e alma pelo "capitão" Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, quer agora através de um parlamentar também bolsonarista sem nenhum escrúpulo emendá-lo para abarcar uma punição penal ao médico equivalente à mulher vítima de estupro.
Outra gravidade do projeto bolsonarista é até mesmo impedir, em tese, que o Judiciário possa permitir o aborto e, por conseguinte, autorizar o médico a realizá-lo.
Nosso vigente Código Penal em dois casos permite o aborto: o necessário, previsto no artigo 128, inciso I. Porque, claro, não se pune o médico quando praticar aborto para salvar a vida da gestante, desde que não haja outro meio de fazê-lo. Observe que a lei fala em vida da gestante; não sobre a saúde em si. Daí a nomenclatura aborto necessário.
O segundo caso previsto no Código Penal é do aborto sentimental-humanitário, previsto no no mesmo dispositivo citado em seu inciso II. É o caso, por exemplo, da gravidez resultante de estupro. No caso haverá necessidade do consentimento da gestante, se capaz, ou de seu representante legal, caso seja incapaz.
Porém, de acordo com o projeto bolsonarista até mesmo o juiz ficará impedido para autorizar o aborto, seja ele necessário ou sentimental-humanitário. Porque a gestante terá que solicitar ao juiz (se menor de idade, com autorização dos pais). Se denunciar e pedir ao juiz poderá incorrer em uma penalidade criminal de até 20 anos de cadeia. Agora, extensiva ao médico, ainda que autorizado pela Justiça.
Em nenhuma das situações acima elencadas estabelece uma obrigatoriedade da mulher denunciar que foi estuprada. Evidentemente! Porém, trata-se de crime hediondo. E, como tal, infração penal de Ação Pública Incondicionada, cabendo, inclusive, ao Ministério Público agir de ofício, ainda que não seja provocado.
De acordo com Ana Elisa Bechara, professora de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP, "...é importante que o Estado garanta o direito ao aborto legal. Conforme destaca, ninguém interrompe uma gravidez por esporte, por alegria... Essa é uma situação triste e traumática vivenciada pelas mulheres. E é assim que essa situação deve ser respeitada e acolhida".
Michele Bolsonaro, esposa do ex-presidente, de estadia no final da semana em Teresina, "gritou" alto e em bom som do palanque político armado que "querem matar nossas crianças!". Não é verdade! Retórica estapafúrdia e sem nexo! Contudo, a madame esqueceu de acrescentar em seu "grito" que também querem prender e condenar as mulheres, as crianças e os(as) médicos(as) com o inoportuno, tresloucado e infame projeto bolsonarista que ela defende com unhas e dentes com o marido Jair e os estupradores ou não.