Um recorte da nova pesquisa Genial/Quaest, divulgado com exclusividade por esta coluna, revela como grupo sociais enxergam a prioridade no Brasil dada a pessoas como eles e pessoas diferentes deles nos últimos 20 anos. Com isso é possível analisar a força do ressentimento, instrumentalizado por lideranças políticas, na mobilização de seguidores.
Entre os que votaram em Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno de 2022, 43% acreditam que pessoas como eles passaram a ter menor importância no Brasil nos últimos 20 anos, 42% dizem que nada mudou sobre isso e apenas 9% afirmam que tiveram mais importância.
Enquanto isso, 63% dos que votaram em Lula (PT) avaliam que pessoas como eles passaram a ter mais importância, 23% nem mais, nem menos e apenas 10% creem que tiveram menos importância.
Entre os que não votaram em ninguém (abstenção, brancos e nulos), o resultado se assemelha à distribuição normal de opinião, ou seja, 25% acham que tiveram mais importância, 43% que isso se manteve estável e 23% que passaram a ter menos importância.
Para efeito de comparação, considerando o universo dos entrevistados, ou seja, a sociedade como um todo, 36% acreditam que pessoas como eles passaram a ter mais importância, 34% que sua importância não foi alterada e 24% que passaram a ter menos importância.
Foram realizadas 2 mil entrevistas entre 25 e 27 de fevereiro, o nível de confiança é de 95% e a margem de erro de 2,2 pontos para mais ou para menos.
Nas últimas duas décadas, uma série de garantias previstas na Constituição Federal de 1988 saíram do papel (e outras tantas não, claro), o que significou efetivação de direitos para grupos historicamente marginalizados ou invisibilizados, como mulheres, negros, população LGBTQ+.
Isso pode ser percebido pela pesquisa. Entre os que têm apenas o ensino fundamental, 42% afirmam que pessoas como eles passaram a ter mais importância frente a 32% entre os que têm os ensinos médio ou superior.
Jair e Hélio Bolsonaro. Foto: Reprodução
Entre os que têm renda familiar de até dois salários mínimos, 45% creem que passaram a ter mais importância diante de 30% entre quem ganha de dois a cinco salários mensais e 32% de quem ganha mais de cinco.
Já entre os que se identificam como pretos, 44% dizem que passaram a ter mais importância, taxa que cai para 38% entre pardos e 32% entre brancos.
Mas a quantidade de mulheres que acredita que passou a ter mais importância (35%) está empatada na margem de erro com a de homens (37%) que dizem o mesmo.
“A pesquisa é uma tentativa de entender como esses grupos estão se entendendo porque o Brasil está dividido, cindido. E os grupos que estão se sentindo melhores que os outros são curiosamente eleitores do atual governo, enquanto os que estão se sentindo mal são contra esse governo”, afirmou à coluna Felipe Nunes, diretor-geral da Quaest.
Questionados sobre quais grupos ganharam mais importância nos últimos 20 anos, 20% dos entrevistados dizem que foram os ricos, 14% os pobres, 9% as mulheres, 7% os LGBTQ+ e 7% os negros, entre outros.
Mas as respostas de eleitores de Lula e de Bolsonaro são bem diferentes entre si.
Para os que votaram no atual presidente, os cinco grupos que ganharam mais importância foram, em ordem, os pobres (20%), os ricos (14%), as mulheres (10%), os negros (7%) e a população LGBTQ+ (4%).
Já os eleitores do ex-presidente afirmam que os mais beneficiados foram os ricos (25%), a população LGBTQ+ (12%), pobres e mulheres (6%) e negros (5%).
Entre os que não votaram em nenhum dos dois, os dados são mais parecidos com a média geral, confirmando que eles são o fiel da balança: ricos (22%), pobres (12%), mulheres (10%), LGBTQ+ (6%) e negros (5%).
De acordo com Pablo Ortelado, professor do curso de Política Pública da Universidade de São Paulo, um dos destaques da pesquisa é a posição que a população LGBTQ+ ocupa para bolsonaristas e lulistas.
“Enquanto apenas 4% dos eleitores de Lula acreditam que a população LGBTQ+ ganhou importância, 12% dos bolsonaristas acham o mesmo. Provavelmente, há um pressuposto invertido entre os dois grupos de eleitores, conhecendo os discursos dominantes nos dois campos”, afirma.
“Eleitores de esquerda provavelmente acreditam no avanço de direitos humanos de grupos marginalizados e eleitores bolsonaristas provavelmente acreditam que esses grupos tem um tratamento privilegiado. Em um caso a leitura é de avanço de direitos, noutro de privilégios”, conclui.
Vale ressaltar que a ascensão de grupos historicamente marginalizados não significou, contudo, que eles se tornassem hegemônicos em termos de poder ou dinheiro. Mesmo assim, essa ascensão incomodou os que perderam um pouco os priviégios, o que pode ser constatado em frases que se tornaram icônicas como “esse aeroporto está parecendo uma rodoviária”.
“O grande tema da pesquisa é o ressentimento. É impressionante perceber que alguns grupos olham para os outros de forma ressentida, pois cresceram mais que ele. E esse tipo de sentimento tem sido estudado no mundo inteiro como um grande gatilho para criação de valores autoritários”, afirmou Felipe Nunes.
“A extrema direita tem se apropriado muito disso”, diz.
EVANGÉLICOS CRESCEM, MAS ACHAM QUE PERDERAM IMPORTÂNCIA
Entre os que fazem parte do grupo, 30% dizem acreditar que perderam nas últimas duas décadas, 37% que se mantiveram igual e 26% que passaram a ter mais importância.
Para efeito de comparação, 41% dos católicos afirmam que passaram a ter mais importância, 31% que nada mudou e 22% que tiveram menos importância.
Bolsonaro e Silas Malafaia. Foto: Reprodução
Isso contrasta com os números. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que, em 1998, os locais de culto evangélicos eram 26,6 mil e, em 2021, 87,5 mil – isso só contando igrejas evangélicas com CNPJ, ou seja, o número real é muito maior.
Considerando apenas as instituições formalizadas, elas representam sete em cada dez estabelecimentos religiosos no Brasil e as católicas eram pouco mais de um em dez.
E com a própria realidade política, uma vez que os evangélicos foram os grupos mais bem organizados politicamente, com uma bancada forte e atuante no Congresso Nacional, e com demonstrações de força em eventos públicos, como marchas e manifestações.
RICOS SÃO APONTADOS COMO OS MAIS BENEFICIADOS
A maioria dos grupos sociais pesquisados apontam que quem passou a ter mais importância foram os ricos, com 20% do total de respostas.
De acordo com relatório Desigualdade S.A., da Oxfam, divulgado em janeiro, no início do Fórum Econômico Mundial, quatro dos cinco brasileiros mais ricos tiveram um aumento de 51% em sua fortuna desde 2020.
E segundo levantamento do Observatório de Política Fiscal da Fundação Getulio Vargas (FGV), com br nos dados do Imposto de Renda, os 5% mais ricos detinham 36,5% da renda nacional em 2017 passando para 39,9% em 2022.
Sim, nos últimos anos os ricos ficaram mais ricos. Enquanto a maioria da população adulta teve crescimento médio de 33% na renda no período, os mais ricos subiram 51%, 67% e 87% (entre os 5%, 1% e 0,1% mais ricos, respectivamente).
Entre os 15 mil milionários (0,01% mais rico), o crescimento foi de 96%. Detalhe: o período foi impactado pela pandemia.