Mesmo sem provas, acuse os outros do que o acusam, ensinou o finado astrólogo e autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, o guru da família Bolsonaro.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) aprendeu a lição e, ontem, nas redes sociais, escreveu a propósito do escândalo de espionagem, outro marco do governo do seu pai:
“Mais um capítulo da ditadura do Judiciário. Cabe ao Senado brecar esta perseguição e preservar as liberdades”.
O certo seria ele ter escrito de maneira neutra:
“Mais um capítulo da ditadura que quiseram implantar no Brasil. Agora, cabe à Justiça punir os eventuais culpados”.
Seria pedir demais a Eduardo que apontasse o dedo para seu pai ou para seu colega de Câmara Alexandre Ramagem (PL-RJ), que dirigiu a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e é o pivô do escândalo.
De resto, Carlos, o vereador, e Flávio, senador, seus irmãos, além de Jair Renan, irmão de criação, estão envolvidos no maior caso de espionagem da história do país desde o fim da ditadura militar de 64.
Foi Carlos o pai da ideia de montar uma Abin paralela para bisbilhotar a vida dos adversários da família Bolsonaro, segundo contou o ex-ministro Gustavo Bebianno, da Secretaria do Governo, no programa Roda Viva.
Como Bebianno, que já morreu, recusou a ideia e aconselhou Bolsonaro a não a adotar para não correr o risco de responder a um processo de impeachment, acabou demitido.
A Abin paralela produziu falsas provas para livrar Flávio de ser condenado no caso da rachadinha e ajudou Jair Renan a escapar da acusação de ter feito tráfico de influência dentro do governo.
No mais, Ramagem tornou-se um fiel serviçal da notória família de gângsteres desde que o patriarca foi esfaqueado em Juiz de Fora, em setembro de 2018. Por isso, deve ser defendido a qualquer preço, pelo menos por enquanto.
Imagine se Ramagem, que Bolsonaro quis nomear diretor-geral da Polícia Federal, mas não conseguiu, resolvesse delatar como fez o coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordem do ex-presidente…
Os Bolsonaro saíram em socorro de Mauro Cid até saberem que ele havia delatado, e em socorro do ex-ministro da Justiça Anderson Torres até saberem que ele guardava uma minuta do golpe.
É assim que agem: ao primeiro sinal de que alguém muito próximo da família contraria seus desejos ou pode causar-lhe embaraços, eles abandonam a pessoa para não se contaminar. Contaminados já estão.
O roubo de joias presenteadas ao Estado brasileiro por estados estrangeiros é bobagem se comparado com o escândalo da espionagem que veio à tona. É bobagem o certificado falso de vacina em nome de Bolsonaro.
À primeira vista, chega mesmo a ser bobagem o motivo pelo qual Bolsonaro ficou inelegível por oito anos – abuso de poder político e econômico ao reunir-se com embaixadores no Palácio do Planalto para atacar o sistema eleitoral.
Acumulam-se evidências e provas de que ele quis dar um golpe mais de uma vez, e por isso deverá ser condenado um dia. E, agora, que exorbitou do poder para montar um estado policial clandestino.
Delegados da Polícia Federal também fizeram parte, assim como a Polícia Rodoviária Federal, acionada para dificultar a votação de eleitores de Lula onde ele derrotara Bolsonaro com folga no primeiro turno da eleição de 2022.
Bolsonaro não chegou ao poder para brincar, e uma vez lá, não queria sair. Foi o que ele sugeriu na reunião ministerial de 22 de abril de 202o que culminou com a queda de Sergio Moro, então ministro da Justiça:
“Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”.
Sobrevivemos a um estado policial cuja dimensão ainda estamos longe de conhecer. Mas quem o concebeu e patrocinou para sepultar a democracia não deve sobreviver. Seu lugar é na cadeia. Sem comiseração. Sem anistia.