Como questão polêmica e inovadora trazida pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), que regulamentou a cadeia de custódia no Código de Processo Penal (CPP) brasileiro, estabelecendo o seguinte: "considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte".
Na discussão perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o RHC 77.836 registra o voto firme do ministro Ribeiro Dantas, segundo o qual "a cadeia de custódia tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e, principalmente, o direito à prova lícita. O instituto abrange todo o caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua imprestabilidade". No RHC referenciado a defesa do acusado alegou que houve quebra da cadeia de custódia, o que foi reconhecido pela turma julgadora.
Não raro, juízes têm desconsiderado a quebra da cadeia de custódia das provas sob o pálio argumento de que a alegada quebra não invalida a condenação se esta for amparada em evidências suficientes da materialidade do crime - aqui reside a conturbada tese de que embora as provas estejam contaminadas, o juiz teria convicção. O argumento é fajuto! Basta lembrar do que ocorreu na Laja Jato, quando se acusou e condenou por convicção e não na absoluta prova firme e plena.
A prova, no processo penal, como salienta João Gabriel Desiderato Cavalcante, "é de enorme importância para embasar a sentença do juiz, quer seja ela condenatória ou absolutória. A Lei Anticrime (Lei 13.964/2019) trouxe, dentre as várias alterações no Código de Processo Penal, a inserção da cadeia de custódia da prova, acrescentando o artigo 158-A ao 158-F, que trata de como deve ser a preservação do local do crime, o momento da coleta até o descarte final do material, passando por inúmeras etapas e respeitando várias formalidades".
Em casos concretos, então, o que deve fazer a defesa? Segundo João Gabriel, atentar à cadeia de custódia da prova, observando se todo o procedimento foi respeitado e preservado, caso contrário poderá obter uma anulação do processo por quebra da cadeia de custódia.
Fernando Capez, procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo, mestre pela USP, doutor pela PUC e autor de obras jurídicas, adverte para o fato de que "... não se proclamará nulidade caso não haja prejuízo concreto. Referência direta à máxima "pas de nulitté sans grief", dado que o rompimento de cadeia de custódia acarreta em nulidade relativa dos vestígios coletados, devendo sua ilicitude ser arguida pela parte, que terá o ônus de demonstrar o prejuízo sofrido pelo não cumprimento da formalidade legal.
Contudo, havendo condenação com base em prova ilícita ou contaminada, desordenada a aponto de tingir a qualidade, com a quebra da cadeia de custódia antes do decreto condenatório, há, sim, prejuízo à defesa e, por consequência, ao(à) condenado(a).
Ao analisar o art. 563, do CPP, aventando que "a nulidade só será declarada se for demonstrado o prejuízo", o jurista Flavio Meirelles Medeiros apresenta uma outra leitura do princípio, sustentando que não significaria que "a nulidade só será declarada se for demonstrado o prejuízo", mas, sim, que "não se declara a nulidade se for possível demonstrar a inocorrência de prejuízo". O jurista fornece uma definição clara e objetiva do conceito de prejuízo com relação às provas, como sendo "a perda de quantidade ou de qualidade do acervo probatório decorrente da falta de ato ou de formalidade processual".
Em outras palavras, digo eu, a qualidade do acervo probatório é de suma importância no processo penal brasileiro. Se a quebra da cadeia de custódia fulmina a qualidade inerente a qualquer caso concreto, estaremos, pois, diante de uma nulidade flagrante ou de uma anulabilidade incontroversa, conforme a demonstração do prejuízo trazido pela sentença ou acórdão de condenação contrariado.
De acordo com os ensinamentos do prof. Geraldo Prado, "expert" no assunto, "na esfera penal, a quebra da cadeia de custódia pode acarretar a imprestabilidade da prova em virtude da existência de suspeita insanável quanto à lisura, higidez, confiabilidade e integridade da prova não corretamente custodiada".
Para concluir, convencido estou de que a impossibilidade de exercer os direitos ao contraditório e à ampla defesa, a quebra da cadeia de custódias das provas resulta em baixa (ou nenhuma) qualidade por falha exclusiva de quem as deveria ter corretamente custodiado e mantido seguramente intactas, em prejuízo da defesa, atingindo de morte o devido processo legal.