São Paulo – Dados de duas pesquisas divulgadas nesta semana indicam que duas consequências nefastas da exploração mineral indiscriminada, largamente estimulada pelo governo recentemente encerrado de Jair Bolsonaro (PL). De um lado, a maioria do ouro comercializado no Brasil ao longo de 2021 apresentou graves indícios de origem ilegal. De outro, só no ano passado, o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, em Roraima e no Amazonas, cresceu 54% em relação ao ano anterior.
O Instituto Escolhas, que sistematiza dados sobre a mineração e o uso da terra, revela que, ao todo, 52,8 toneladas de ouro foram vendidas no país com indícios de ilegalidade, o que corresponde a mais da metade da produção nacional (54%) daquele ano. Quase dois terços desse ouro, o equivalente a 61%, foram extraídos da Floresta Amazônica.
Com
base nesse último ano analisado, o estudo indica que o estado do Mato
Grosso é o principal local de origem de ouro extraído por foras-da-lei,
com 16 toneladas. Ele é seguido pelo Pará, com 13,6 toneladas e
Rondônia, Tocantis, Amapá e Amazonas. Para comparação, entre 2015 e
2020, o total de ouro com indícios de ilegalidade comercializado no
Brasil foi de 229 toneladas.
Garimpo X Yanomami
Junto com o
crescimento da venda de ouro ilegal aumenta também o garimpo ilegal nos
últimos quatro anos, em especial nas Terras Indígenas Yanomami. Pelo
menos 1.782 novos hectares foram destruídos entre dezembro de 2021 e
dezembro de 2022 para a extração desenfreada de metais do solo.
O monitoramento aponta ainda um crescimento acumulado de 309% do desmatamento causado pelo garimpo entre outubro de 2018 e dezembro de 2022. Nesse período, foram mais de 3.817 hectares destruídos na mais importante terra indígena do país, atingindo um total de 5.053 hectares.
Chama
atenção a ocorrência da intensificação da destruição da floresta a
partir de agosto do ano passado. Na avaliação de pesquisadores, em
reportagem ao UOL,
o dado tem relação com uma espécie de “corrida pelo garimpo”, motivada
pela possiblidade de Bolsonaro perder a disputa pela presidência da
República.
Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, os financiadores do garimpo ilegal buscavam aproveitar os últimos meses do governo anterior para extrair o maior lucro possível e, assim, “aproveitar o capital aplicado no maquinário e na cadeia logística”. “É como se estivessem aproveitando os últimos momentos antes que a farra acabasse”, afirmou ao portal o antropólogo Marcelo Moura Silva.
Os invasores ainda tinham a
expectativa de que, com a reeleição do ex-presidente, a exploração
garimpeira fosse ampliada e até mesmo regularizada, apesar da destruição
generalizada.
Rastrear o destino do ouro
Essa combinação
de crimes ligados ao garimpo, no entanto, provocou a tragédia
humanitária que acomete os Yanomami, a maior deste século no Brasil. O
território chegou a uma emergência sanitária, com crianças, adultos e
idosos em condições dramáticas de saúde, vitimados por doenças como
malária e pneumonia, desnutrição e contaminação por mercúrio.
Para o Instituto Escolhas, o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode atuar contra o problema, rastreando o ouro. A proposta foi apresentada pela gerente de Portfólio da entidade, Larissa Rodrigues, que coordenou o estudo. Segundo ela, embora seja possível identificar a origem do ouro, saber o destino das pepitas é um desafio.
A medida
envolveria diversos agentes públicos, como a Agência Nacional de
Mineração (ANM), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Banco Central, que é
quem fornece informações sobre as instituições financeiras autorizadas a
operar com ouro, atualiza e valida essas informações, além de
fiscalizar as operações.
Desmantelar garimpos
Em entrevista à Agência Brasil, Larissa detalhou que a proposta é semelhante a já adotada por outros mercados, como a carne e a madeira. “O governo brasileiro já fez esse tipo de sistema para outros produtos. E por quê? Muito pelo que a gente está começando a ver no ouro agora: por pressão de importadores, dos consumidores. Porque esses produtos, antigamente, também tinham muita ilegalidade e, aí, por pressão dos mercados, o governo começou a controlar como não se controlava antes. O que a gente tem para o ouro é mais ou menos o que a gente tinha na cadeira do couro, da cana, 20 anos atrás”, explica.
Nesta semana, o presidente Lula anunciou que
dará prioridade à interrupção da atividade garimpeira na terra indígena,
impedindo, por exemplo, o tráfego áereo e fluvial de garimpeiros na
área em Roraima. No caso do território Yanomami, os pesquisadores também
defendem a investigação e punição sobre quem financia o garimpo. Assim
como a expulsão dos invasores e a reativação das bases da Funai e do
Ibama.