Lisboa —
Maior produtor mundial de café do mundo, o Brasil está no centro das
atenções de gigantes que atuam no setor. A grande pergunta que todos se
fazem neste momento é como o país vai lidar com as mudanças climáticas,
que vêm afetando o cultivo do grão em várias partes do planeta. Diretor
executivo da Internacional Coffee Partners (ICP), entidade que reúne
oito das principais empresas familiares da Europa que operam no ramo,
Michel Opitz chama a atenção para a escassez de água que já se vê em
Minas Gerais, de onde sai quase a metade da colheita nacional de café.
“O plantio do café está
sofrendo com o aumento da temperatura, principalmente no Sul de Minas,
devido à mudança no regime de águas. As reservas de água estão mais
baixas, temos várias experiências de secas mais prolongadas, e isso
requer um repensamento do sistema produtivo”, diz Opitz. Ele reconhece,
porém, que, por todo o seu histórico, o Brasil está mais preparado para
se adaptar à nova realidade, sobretudo, por contar com empresas como a
Emater e a Embrapa, referências em pesquisas e no uso de tecnologias na
produção. “Por outro lado, há os desafios relacionados com, digamos, à
agricultura industrial”, frisa.
Para ele, o cultivo em larga escala
de café tem certas limitações que deveriam se levadas em conta para o
desenvolvimento dos sistemas produtivos do futuro. “Isso tem a ver com a
debilidade da área de plantio.
O café é uma planta que não é
fácil, não gosta de condições (de temperatura) muito quentes, nem muito
frias. Também não gosta de áreas muito úmidas, nem muito secas. Então,
são desafios que realmente no Brasil deveria levar mais em conta,
trabalhando com sistemas do futuro”, ressalta, reconhecendo, porém, que
não será fácil romper com os atuais paradigmas.
“São
muitos desafios ao mesmo tempo, principalmente por causa das mudanças
climáticas. A temperatura global está subindo. O café vai sofrer, na
verdade, já está sofrendo em muitas das regiões em que atuamos”, destaca
Opitz. Segundo ele, um dos caminhos para conter os impactos do efeito
estufa é trabalhar de forma mais adequada o manejo do solo para ampliar a
capacidade de se estocar água. “Isso vai requerer alguns processos que,
talvez, não sejam tão compatíveis com a maneira meio industrializada de
se produzir café no Brasil. Ou seja, falamos de sistemas
agroflorestais, em que temos mais árvores para reduzir a temperatura
dentro do sistema, para agregar matéria orgânica ao solo, para apoiar
num momento de seca, em que a evaporação da água é mais acelerada”,
acrescenta.
De mãos dadas
Ao mesmo tempo em que acompanham, com lupa,
o que se passa no Brasil, os empresários do setor de café têm procurado
ampliar a produção e a participação de pequenos produtores mundo afora.
Pelos cálculos da ICP, há, hoje, aproximadamente 12,4 milhões de
famílias que plantam e colhem o grão. Elas representam 98% das 12,9
milhões de unidades cafeeiras. “Esses 98% (de pequenas propriedades)
respondem por 75% a 80% da produção mundial de café”, calcula Opitz.
No
Brasil, assinala o executivo, o grosso da produção está ligado às
fazendas, que são o norte do setor cafeeiro. “O país tem ao redor de 300
empreendimentos que produzem café, das quais 75% são pequenas
propriedades, que respondem por 45% da colheita. Ou seja, a
profissionalização do setor de agronegócios no Brasil é excepcional, sem
dúvida. Sem isso, o setor cafeeiro teria graves problemas”, emenda.
Segundo a sueca Kathrine Löfberg,
presidente do Conselho de Administração da empresa que leva o nome de
sua família, a International Coffee Partners atua no Brasil desde 2010,
por meio da parceria com pequenos produtores, que, desde então,
receberam suporte em várias áreas, num total superior a 3 milhões de
euros (R$ 16,8 milhões). Os primeiros projetos, envolvendo 500 famílias,
foram desenvolvidos na região de Campo das Vertentes, perto de Lavras
(MG). Depois, o programa se estendeu para os municípios de Perdões e
Santo Antônio do Amparo. E, numa terceira fase, chegou a São Francisco
de Paula, Manhuaçu e Santa Margarida, na Zona da Mata Mineira.
Parcerias
com essa, destaca Kathrine, permite o aumento de até 54% na produção,
como se viu em projetos na África. “Mas a experiência vai muito além da
plantio e do cultivo de café, coloca as famílias no papel central da
produção”, frisa ela, que acaba de entregar a presidência da ICP para o
português Rui Miguel Nabeiro, CEO do Grupo Nabeiro — Delta Cafés. Assim
como Opitz, ela chama a atenção para os efeitos das mudanças climáticas
sobre o setor agrícola, que aumentam os desafios em relação à segurança
alimentar do planeta. “Na América Central, chuvas torrenciais,
inundações constantes e ventos fortes levaram muitas pessoas a saírem de
suas casas”, destaca a empresária.
Para Nabeiro, às questões climáticas devem
se somar os movimentos migratórios. “Precisamos empoderar os jovens para
que fiquem nas comunidades rurais, num processo de sucessão familiar”,
diz. Atualmente, sem perspectivas no campo, muitos jovens preferem
migrar para os centros urbanos, reduzindo a força de trabalho disponível
para o plantio e a colheita agrícola. “A reversão desse quadro passa
pela parceria entre atores públicos e privados”, acredita.
Direitos humanos
Michel
Opitz afirma que, no Brasil, as parcerias dos pequenos produtores com o
ICP permitiram a adoção das melhores práticas nos sistemas produtivos,
começando pelo cultivo do café maneira apropriada, a fim de aumentar a
produtividade, obter os insumos no momento adequado, dependendo da
análise de solo. Também houve apoio às mulheres produtoras, para que
formassem organizações que cuidassem de seus interesses e definissem uma
boa governança. “Todos sabem que o perfil de um bom líder exige a
escolha de uma pessoa apropriada para avançar as operações do grupo.
Assim, juntam o café, processam o grão. Antigamente, nessas localidades,
só havia o café seco. Hoje, tem café verde, comercializado direto com
os exportadores”, detalha.
Outra grande preocupação da ICP é evitar abusos na contratação de mão de obra, caracterizando trabalho análogo à escravidão. “Graças a Deus, esse problema não nos preocupa, porque as famílias com as quais trabalhamos têm valores bem altos e nunca vão se envolver com esse tipo de abuso de recursos humanos”, diz Opitz. “Na nossa realidade, em todos os lugares onde atuamos, sem exceção, nunca houve”, reforça. De qualquer forma, ele reconhece que o setor cafeeiro, assim como outros segmentos da economia, estão sendo desafiados a olhar as questões de direitos humanos dentro das cadeias comerciais.